(Portuguese) Paz, Direitos Humanos e Desenvolvimento num Mundo Multi-Polar em Evolução

ORIGINAL LANGUAGES, 15 Oct 2012

Johan Galtung, Forum Abel Varzim – TRANSCEND Media Service

Palestra proferida no Conselho do Forum Social dos Direitos Humanos em Nova Iorque – 1 de outubro de 2012

Excelências,

O título para este 6.º Fórum Social – no contexto dos 10 artigos da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento de 04 de dezembro de 1986 – está muito bem escolhido.

O foco está no desenvolvimento centrado nas pessoas – em vez de no crescimento económico centrado no sistema.

E na globalização, um processo desafiador envolvendo todos os estados, regiões, nações e civilizações, os seres humanos e a natureza – em oposição a um mercado globalizado, com apenas três vertentes livres, capital, bens e serviços, não trabalho, o que aumenta o fosso da globalização económica.

E isto, no contexto de pobreza infrene, alargando as desigualdades dentro dos estados, as crises económicas ocasionadas pela desconexão entre a economia real e a ávida economia financeira, o crescente desemprego, as tensões populares.

O mapa de ontem, dividindo o mundo em países desenvolvidos e em desenvolvimento, não faz mais sentido quando muitos dos “desenvolvidos”, estão em des-desenvolvimento, declinando, e muitos dos “em desenvolvimento”, emergem – como os BRICS – cruzando-se na sua ascensão com os outros em queda. Um mundo novo.

Permitam-me que apresente Doze Teses que abordam esta grave situação.

Tese 1: Podem satisfazer-se as necessidades humanas básicas, mas a unidade básica de desenvolvimento não é nem o indivíduo a quem damos um subsídio, nem um país inteiro a que subsidiamos o orçamento. A unidade básica está ao nível local das aldeias em vizinhança, a partir das mais pobres, e dentre estas começando com as mais débeis, puxando-as do fundo [do poço].

Alimentar “Gota a gota” não funciona, “bombear para cima” talvez sim.

Tese 2: Mas os direitos sócio-económicos não devem ser alcançados à custa dos direitos cívicos e políticos. Desde o seu íntimo as comunidades devem organizar-se democraticamente no sentido de haver transparência no processo de desenvolvimento, diálogo para o consenso, e debates para o exercício do voto. A democracia não é apenas um direito, mas também uma necessidade de auto-expressão e dignidade, “a minha voz faz a diferença”.

Tese 3: O exterior, a sociedade civil, pública e privada e os setores técnicos que fornecem os recursos de capital e meios técnicos têm de dialogar com o interior. A coordenação é uma tarefa comum, dos órgãos eleitos ou administrativos, ONGs, igrejas, etc. em diálogo permanente.

Tese 4: O micro-crédito não deve ser dado a indivíduos, mas a micro-empresas locais, desde que: [1] a empresa produza bens para a satisfação de necessidades básicas, e que;

[2] os seus funcionários sejam os mais necessitados, com fome, com sede, mal vestidos e mal alojados, doentes e/ou analfabetos.

A questão não é a eficiência, mas decência e dignidade para com os mais necessitados.

Tese 5: A satisfação das necessidades básicas, mesmo rapidamente, é possível:

* Alimentação – cultivando a alimentação necessária em terrenos públicos, mas de uso privado, por cooperativas, com pontos de venda, utilizando tecnologias antigas e novas (combinando agrícola e aquacultura, em base 3-dimensional), transporte em curtas distâncias de para um meio ambiente sustentável, produzir se possível, localmente, não apenas os bens alimentares, mas também os próprios meios de produção;

* Água – destilando água do mar com energia solar e espelhos parabólicos, acrescentando minerais, e utilizando tubagem para o transporte de água, não apenas para o petróleo;

* Alojamento – blocos residenciais estandardizados facilmente montáveis e desmontáveis, baratos, como contentores cúbicos, e materiais locais, adaptáveis ás necessidades variáveis das famílias, em terrenos públicos de uso privado;

* Saúde – proporcionando água potável para todos, uma densa rede de policlínicas, médicos e enfermeiros “pé-descalço”, medicamentos genéricos, hospitais regionais e helicópteros para as emergências;

* Educação – proporcionar educação para todos, não só para as crianças, alfabetização para os que pertencem ao mundo dos símbolos; convidando estudantes ou profissionais [de educação] a viver durante meio ano, ou isso, em aldeias necessitadas, uma densa rede de escolas interconectadas pela internet, e transportes económicos:

Tese 6: Além disso, como os Objetivos de Desenvolvimento do Milénio estipulam:

* foco na igualdade de género: a educação é uma abordagem comprovada, tornando-a obrigatória para além do nível elementar, e assumindo que seja gratuito, teremos a garantia, em princípio, de que a igualdade se manterá muito além da idade escolar:

* foco no meio ambiente: precisamos de uma mudança maciça no [processo] esgotar/poluir, com  tecnologias à base de petróleo / gás / carvão mudando para outras formas de energia com base no sol / vento / água (quedas de água, marés, ondas), bio e geo / hidrotermal, aplicando multas e incentivos, igualizando o acesso à energia;

* foco da equidade global: desenvolvendo a auto-confiança local, nacional e regional na produção de bens e serviços para as necessidades básicas e as necessidades de consumo e normais – não luxos; equidade intra – em vez de inter – sectorial (recursos conta recursos, produtos contra produtos, serviços contra serviços); proteção tarifária para os setores fracos; anulando créditos não destinados prioritariamente para atender as necessidades básicas, obtidos de forma não democrática.

Tese 7: A satisfação das necessidades básicas da mais necessitados é uma pedra de toque não negociável do Direito ao Desenvolvimento. Quais são os obstáculos a ser eliminados? Patologias sociais e globais, como a indisponibilidade de capital com baixa remuneração, para os mais necessitados, sem poder de compra; a democracia poderá funcionar mal quando a maioria se torna classe média sem solidariedade com os pobres; obsessão ideológica com o sistema mercado; o desejo de manter os miseráveis em tarefas miseráveis; minorias receosas de perder os seus privilégios; a classe média-alta sentindo-se menos alta quando a distância diminui; e então o medo final:

“Irão eles tratar-nos da mesma forma como os temos tratado, se eles se aproximarem”. Então: façamos subir os que estão no fundo, sem ameaçar os de cima, salientando as vantagens de uma sociedade justa para todos.

A tese 5 responde a isto. Em países homogéneos, taxar os ricos para promover os pobres poderá resultar, mas a maior parte dos países não são homogéneos.

A classe média-alta alto deve estar disposta a viver em sociedades com igualdade para ambos os sexos, de todas as cores, para os idosos/de meia-idade/jovens, com várias nacionalidades; não mais governadas por elites de homens, brancos, de meia-idade e de uma única nação dominante. Mas os outros precisam saber que os que pertencem às classes altas, também são os seres humanos, não apenas os “parasitas”. Focarmo-nos apenas nos direitos dos mais pobres, exclui preparar os privilegiados para o inevitável, para o prazer de viver em diversidade e igualdade.

Tese 8: Estes obstáculos levam muitos a duas conclusões: internamente, uma revolução para dar à metade inferior de uma oportunidade, sem oposição, da metade de superior; e, globalmente, afastar-se do sistema dominante. Compreensível, mas para implementar o Direito ao Desenvolvimento, há que contornar essas políticas por meio de mais igualdade elevando o nível inferior da sociedade, e mais equidade entre os estados com a auto-suficiência, e comércio orientado para mútuo e igual benefício. As duas convenções sobre Direitos Humanos, de 16 de dezembro de 1966, podem ser realizadas em conjunto. Como tem dito o “Direito ao Desenvolvimento” várias vezes: Os direitos são indivisíveis e interdependentes.

Tese 9: Há necessidades básicas para além sobrevivência e bem-estar; liberdade e identidade fazem também parte do bem-estar básico humano. Alcançar as necessidades somáticas básicas é um imperativo, mas o mesmo se aplica à necessidade de liberdade mental de escolha no modelo de desenvolvimento, para sentir a sua própria identidade, para se sentir em casa. Impor modelos de desenvolvimento Ocidentais, liberalismo (crescimento, direito Ocidental, direitos humanos individuais, democracia com eleições multipartidárias de acordo com a regra da maioria), Marxismo (necessidades somáticas essenciais), ou ambos (crescimento e partilha, como nos países Nórdicos de bem-estar) como o único modelo universal é um insulto aos povos, no mundo globalizante de 7 biliões de pessoas.

Há modelos Islâmicos centrados na “dimensão comunitária, cultura do nós, partilha (zakat, ramadan)”, e modelos Budistas baseados no “nem de menos (base mínima para atender as necessidades básicas) nem de mais (limite superior), libertando o povo de preocupações económicas, para o desenvolvimento espiritual”.

E ainda modelos ecléticos Japoneses e Chineses empenhados em superar as falsas dicotomias Ocidentais, como trabalho versus capital, e capital versus Estado, mais focados harmonia social e do mundo. Impor um modelo único não é globalização, mas Ocidentalização, no antigo espírito missionário, colonial e imperialista, hoje inaceitável. Estes modelos não se excluem mutuamente, mas complementam-se. Podem estar centrados em bons atos de omissão, não só pela exclusão de maus atos segundo o direito ocidental, na promoção dos direitos coletivos das pessoas, e não apenas nos dos indivíduos, na democracia pelo diálogo-consenso, não só para no debate-voto-governo da maioria. Sábia política: tirar o melhor de tudo, selecionar, extrair, usar a globalização positivamente! Há boas ideias em toda parte.

Tese 10. Temos indicadores do crescimento económico (PIB) e das necessidades básicas (IDH com base em saúde e educação); precisamos de indicadores para promover e monitorizar a implementação dos direitos humanos. Felizmente, o Alto Comissariado para os Direitos Humanos tem feito um trabalho no sentido de abrir pistas nessa direção (hrindicators@ohchr.org). Os indicadores sobre o Direito ao Desenvolvimento devem ser, pelo menos, tão bem conhecidos como o PIB.

Tese 11. Um desenvolvimento centrado nas pessoas mudará a sociedade; reduzindo a violência estrutural – exploração, penetração, segmentação, fragmentação, marginalização – e construindo uma paz estrutural, significando equidade, mutualidade, integração, solidariedade, inclusão. Muitas sociedades têm já um bom nível de paz estrutural, às vezes ameaçada, mesmo destruída, pela imposição de modelos de desenvolvimento Ocidentais, baseadas na competição. Elevando o nível inferior da sociedade, sem ameaçar a cúpula conduzirá a sociedade para a paz estrutural, sem violência revolucionária direta vinda de baixo, ou violência contra-revolucionária direta vinda de cima. Mas tem de haver diálogo, e a classe superior estar preparada para quando diminuir o fosso entre as diferenças de género, raça e classe. Os direitos dos menos favorecidos surgem acompanhados pela responsabilidade de preparar os privilegiados para partilharem o poder e os privilégios. Um direito concedido a uma parte, é também parte de um conflito entre aqueles que querem cumprir a lei e aqueles que se lhe opõem. Persuasão e negociação tornam o desenvolvimento centrado-nas-pessoas compatível com a paz; a força não.

Tese 12. A globalização implica mudanças na sociedade global, até mesmo no sentido de uma redução da violência estrutural – exploração, auto-colonização muitas vezes presente nos países dependentes, a absurda divisão de trabalho entre recursos especializados e bens de consumo, os países pobres relacionando-se com os ricos e não uns com os outros, clubes exclusivos apenas para os países ricos. A estrutura da paz global implica trocas justas para mútuo e igual benefício, desafios justos no desenvolvimento e no meio ambiente, autonomia, integração, menor divisão no trabalho, solidariedade com os que estão no mesmo nível e com aqueles que não estão, bem como com aqueles que vivem na pobreza em qualquer lugar, regionalização também para os países em desenvolvimento, usando a ONU para dialogar. Persuasão e negociação tornam a globalização compatível com a paz; força não.

A ordem velha desapareceu. A questão não é quem está agora no cimo, mas como chegar a uma ordem mundial justa, sem ninguém no topo.

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Johan Galtung, é professor de estudos da paz, dr. hc. mult., reitor da TRANSCEND Peace University-TPU. Ele é autor de mais de 150 livros sobre a paz e estudos relacionados, onde se inclui “50 Years – 100 Peace and Conflict Perspectives,” publicado pela TRANSCEND University Press – TUP.

Original em inglês: TRANSCEND Media Service-TMS

Tradução livre da responsabilidade de Forum Abel Varzim, Lisboa, Portugal, outubro de 2012.

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