(Português) O Funil da Desigualdade

ORIGINAL LANGUAGES, 10 Nov 2014

Roberto Sansón Mizrahi, OpinionSur – TRANSCEND Media Service

A desigualdade de poder (econômico, político, midiático, judicial, repressivo) opera como um tipo de funil que, sem descanso, extrai e concentra riqueza e renda nas mãos de uma ínfima fração da população mundial. Vale revisar como e porquê se gera o funil da desigualdade e a diversidade de medidas que existem para desarmá-lo.

É irrefutável que a concentração de riqueza e renda cresceu desaforadamente no mundo e, em muitos casos, também em nível local. Inumeráveis textos o demonstram, incluindo artigos e livros publicados por Opinión Sur. Basta assinalar que, segundo dados levantados pela OXFAM, quase a metade da riqueza mundial está nas mãos de somente 1% da população. Os 85 mais ricos indivíduos do mundo acumulam tanta riqueza quanto 3,570 bilhões de pessoas, a metade da população do planeta [1].

É impossível acumular tamanha riqueza com o próprio esforço; é alcançável sugando o valor que outros geraram. As penúrias e frustrações causadas têm sido enormes e têm dado marcha a inumeráveis reações sociais que, se por alguma razão chegassem a se coordenar, teriam uma magnitude e natureza difíceis de antecipar.

Como se produz tamanha desigualdade O processo de expropriação de valor se materializa através de diversos mecanismos, entre outros, os seguintes:

(i) A descontrolada especulação financeira praticada por entidades financeiras e fundos de cobertura, o qual se sustenta manipulando os reguladores e condicionando para seu proveito as políticas públicas, além de praticar um manejo irresponsável do risco e da informação privilegiada.

(ii) As condições expoliadoras que corporações transnacionais impõem a nações fracas e/ou governos corruptos sobre a exploração de recursos naturais (mineração, florestas, pesca, aquíferos).

(iii) Expropriação de valor de grandes multinacionais que controlam oligopolicamente os canais de exportação e utilizam triangulações e outros artifícios para liquefazer tributos e maximizar suas taxas de lucro.

(iv) Expropriação de valor por posição dominante em mercados imperfeitos (monopólios, oligopólios), seja na produção e/ou comercialização, impondo preços abusivos com o qual obtém rendas extraordinárias que saem dos que são abusados.

(v) Expropriação de valor evadindo o pagamento de tributos que alimenta a fuga de capitais e restringe a capacidade do Estado de prover infraestrutura social e produtiva.

(vi) Expropriação de valor através do tráfico de drogas, armas e pessoas.

(vii) Expropriação de valor realizada por especuladores através da apropriação de ativos em situação vulnerável ou forçando sua venda a preço vil por meios ilegais.

(viii) Expropriação de valor capitalizando em proveito próprio os benefícios derivados de um investimento público sem cuidar da correspondente contribuição por melhorias.

(ix) Expropriação de valor aproveitando favoritismo regulatório discriminatório.

Em que se sustenta o processo de expropriação e concentração de valor

Um processo da magnitude da expropriação e concentração de valor que predomina em quase todo o mundo se sustenta no desigual poder que certos grupos muito minoritários da população mundial chegaram a deter. Razões históricas se conjugam com a globalização contemporânea da economia para explicar as diferenças de poder, um poder que tem seu epicentro em grandes grupos financeiros mas que se projeta sobre setores da política e dos meios de comunicação que procuram manipular a opinião pública a seu favor. No nível ideológico e valorativo, os grupos hegemônicos financiam usinas de pensamento estratégico que lhes são afins e impedem a transformação de sistemas educativos que hoje consagram valores e atitudes funcionais a seus interesses. Conservam, ademais, como reassegurados de sua preeminência normas legais que lhes favorecem, camadas da Justiça pressionadas para defender seus privilégios e, em última instância, influência decisiva sobre a capacidade repressiva do Estado.

Como desarmar funil da desigualdade

Não é simples desarmar o poder hegemônico que sustenta o processo de concentração da riqueza. Requer agir coordenadamente em várias dimensões, pelo que é necessário contar com governos de base popular capazes de mudar o rumo e a forma de funcionar do sistema econômico. Um elemento decisivo é existir a vontade popular de transformação, o que implica esclarecimento e mobilização. Este processo de compreender o que acontece não só o aparente mas toda a trama de interesses que não são transparecidos, exige desmascarar intenções e manobras dos que têm a capacidade de formar opinião pública no contrafluxo dos interesses populares. Como o compreender vem tingido pelos valores que praticamos e as ideologias que adotamos, urge revisar os valores que guiam nossa conduta distinguindo orientações éticas (que podem ser confirmadas ou ajustadas) de interesses que sustentam privilégios e nos chegam encriptados em valores e emoções.

Assim, por exemplo, há valores como a cobiça e o egoísmo que se não são combatidos com a maior firmeza terminam guiando a conduta de uma grande diversidade de atores causando gravosos efeitos sociais. Algo semelhante aconteceria se se primasse em nós a indiferença aos demais, a indiferença para com os setores vulneráveis e se só contasse o próprio interesse individual. A passiva aceitação de privilégios mal havidos, a desvalorização do bem-estar geral, da justiça e da equidade, formam ideologias que servem de sustento à concentração econômica.

É essecial encarar esta batalha ideológico-cultural empregando estratégias econômicas, sociais e políticas transformadoras. Estratégias que incluiriam, entre muitas outros, os seguintes aspectos.

  • Desarmar um a um os mecanismos de expropriação de valor acima assinalados, reorientando para a construção de melhores sociedades as ingentes energias hoje esterilizadas por essas vias.
  • Reemplazar la mistificación de “los mercados” que, de forma abierta o encubierta, consagran privilegios de sectores minoritarios, por decisiones explícitas tomadas por democracias plenas capaces de alinear intereses, necesidades y emociones hacia el bienestar general.
  • Substituir a mistificação dos “mercados” que, de forma aberta ou encoberta, consagram privilégios de setores minoritários, por decisões explícitas tormadas por democracias plenas capazes de alinhar interesses, necessidades e emoções para o bem-estar geral.
  • Em particular, regular a luta distributiva para o qual se haverá que tornar efetivo o poder democrático de intervir na fixação de objetivos distributivos, assim como na promoção de um crescimento orgânico que sirva de sustento a um vigoroso desenvolvimento inclusivo.
  • Estabelecer inequivocamente o direito de acessar aos bens e serviços que possibilitem uma vida digna para todos.
  • Melhorar significativamente a representatividade política e a prática de acordos enriquecidos pela diversidade de perspectivas.
  • Assegurar a democratização dos meios de comunicação e do sistema judicial.
  • Estabelecer uma educação transformadora que fortaleça o próprio pensar e o agir responsável e solidário.

É possível superar o funil da desigualdade e é imperioso fazê-lo. Nunca foi simples realizar ou aprofundar transformações e, não obstante, é um esforço que as sociedades vêm encarando desde tempos antigos. Hoje esse desafio se renova em um cenário que se converteu em global e no qual uma ação, antes de impacto local, agora repercute e incide em outras partes. Transformar em direção à sustentabilidade, equidade, justiça, generosidade, solidariedade, avançando em significação e sentido, é o chamado do planeta. Enriquecidos em diversidades, nos envolve a todos.

Nota:

[1] http://opinionsur.org.ar/Gobernar-para-las-elites-Secuestro

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Roberto Sansón Mizrahi, economista, planificador urbano regional, co-editor de Opinión Sur, autor de artículos, columnas periodísticas y libros, el último de los cuales se titula Un País para Todos de la Colección Opinión Sur. Es fundador de Sur Norte Inversión y Desarrollo, South North Development Initiative y Grupo Esquel. Consultor en países de América Latina y de Africa en temas de desarrollo sustentable, asistencia a pequeñas y micro empresas, movilización productiva de la base de la pirámide social, desarrollo local, estrategias para abatir desigualdad y pobreza.

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