(Português) Freio na boca de cavalo serve para quê? Explicações de Alexander Nevzorov: Tortura

ORIGINAL LANGUAGES, 9 Feb 2015

Sônia T. Felipe - ANDA Agência de Notícias de Direitos Animais

Foto: Reprodução

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Alexander Nevzorov, em seu livro The Horse Crucified and Risen, ao alertar para a baba grossa escorrendo da boca de um cavalo com ferro plantado na cavidade bucal, pressionando a língua, refere-se a ele como “um aparato especial para infligir muita dor” ao animal, um “pesadelo” para o cavalo, pois a “causa dessa baba grossa é trágica”. [p. 10]

Nevzorov esclarece fisiologicamente o que acontece: “Primeiramente, há o ressecamento da garganta pela impossibilidade de engolir a saliva”. Mas não é só isso. A baba grossa saindo da boca do animal indica que as glândulas parótidas estão lesadas. A saliva espumando a sair pela boca, em qualquer animal, indica algo fora do normal, até mesmo ameaçador, “um sinal de desconforto, dor, tensão, dor aguda, ou de algo muito errado”.[p. 11].

É uma grande mentira falar que o cavalo “tem amor pelo freio, esse instrumento de tortura”, afirma Nevzorov. [p. 11] Segundo o autor, “basta abrir qualquer manual de odontologia equina para que os olhos caiam imediatamente em algum artigo sobre as lesões dos lábios, gengivas, dentes, palato e partes sensíveis similares da boca, causadas pelos freios […]“. [p. 11]

No entender de Nevzorov, “o ferro [freio] foi, é e será um fator fundamental e determinante nessa estranha e dramática relação entre o cavalo e o homem.” [p. 28] “Por mais de três mil anos se manufaturam peças de metal que dão aos humanos a ilusão de autoridade sobre o muito livre, muito forte e muito indefeso cavalo.” E, mais adiante, conclui: “[…] O ferro na boca do cavalo se tornou, para o homem, uma espécie de atributo indispensável da relação, uma chave mágica para controlar o cavalo.” [ p. 29]

Para o autor, é uma grande ilusão pensarmos que é o homem quem controla o cavalo sobre cujo lombo está montado, atrás do qual comanda a charrete, ou sobre o qual carrega os armamentos da artilharia. “Isso não é verdade. A dor controla o cavalo. Eles param o cavalo com dor, eles o dirigem pela dor e o fazem virar com a dor.” [p. 42-43] “A cervical e o sistema muscular do cavalo são lesados pelo puxão das rédeas.” [p. 52]

Para não deixar dúvidas sobre a condição dos outros cavalos, em comparação com os usados para monta, o equinólogo Nevzorov afirma: “Esses cavalos, que poderiam ser colocados numa categoria genérica de ‘cavalos não selados’ – os da infantaria, os usados no campo, os puxadores de carroças, os habitantes das cidades – tiveram o mesmo destino através dos séculos nas mãos de todas as pessoas. O destino e a vida dos cavalos trabalhadores da era gótica de modo algum diferem do destino e da vida deles no Egito Antigo, ou dos cavalos dos servos russos. A moda, a tendência, o nascimento e a morte de várias escolas de modo algum influenciou a vida monstruosa desses cavalos, a vida repleta de chicotadas e de outras indignidades.” [p. 31]

Fora as lesões da boca e dos dentes, do pulmão e do estômago, pelo uso do ferro na boca, estas são doenças que afetam todos os cavalos usados para monta ou tração: “da coluna, das pernas, da nuca, dos músculos e ligamentos, artrite e artrose.” [p. 37]

Nevzorov desmente ainda a afirmação de que é possível aplicar um freio à boca de um cavalo sem feri-la, ou sem lhe causar dor alguma, sem lesar os tecidos dessa área. Esse tipo de freio não existe, afirma o autor, e conclui: “Todo ferro enfiado na boca de um cavalo tem apenas um propósito: causar-lhe dor”. Em seguida, ele explica a fisiologia dessa dor, nos seguintes termos: o freio do cavalo, grosso modo, “divide-se em duas categorias: a da ação trigeminal (quando os ramos do nervo trigêmeo que passam ao longo dos ossos que formam a mandíbula inferior são escolhidos como principal ponto da inflição da dor) e a do ‘efeito dental’, pela qual as áreas dentais macias – as barras, os dentes (o primeiro e segundo premolares), língua, palato e gengivas são submetidos à uma influência dolorosa direta – isto é, à dor direta que atua sobre os nervos palatais menores, os ramos dos nervos maxilares, o nervo sublingual, os nervos alveolares e os nervos faciais.” [p. 53]

Aprofundando mais a questão da fisiologia da dor e da psicologia da dor facial equina, Nevzorov explica: “O ferro (freio) com ação trigeminal é baseado mais na intimidação. O cavalo, sendo uma criatura de fenomenal inteligência, vai sempre se lembrar do tipo de ‘mina’ plantada em sua boca pelo homem. Esse ferro (freio) não causa uma dor cruel contínua, mas inflige somente, vez por vez , uma ‘injeção’ curta dessa dor no cérebro e na consciência do cavalo” [p. 53], a cada vez que as rédeas são puxadas para que ele pare, vire para a esquerda, para a direita etc. Sem uma ‘mina’ dessas plantada em sua boca, o cavalo é, por natureza, um animal “perigoso, indisciplinado, violento, sem limites.” [p. 61-62]

Há quem venha argumentando que os freios (ferros) de hoje são desenhados de modo diferente dos modelos antigos. Nevzorov desmente: “O freio (ferro) de hoje de modo algum se pode distinguir do ferro de séculos passados. A mesma peça bucal monolítica do freio é plantada no arco do palato do cavalo, nós ainda apertamos a mesma corrente que causa dolorosa paralisia com a pressão forte sobre o nervo trigêmeo.” [p. 62] Os freios modernos, continua Nevzorov, “são divididos em ferro de ação dental e ferro de ação trigeminal, exatamente do mesmo modo como o foram seus antecessores históricos. E são usados precisamente do mesmo modo. Hoje, ele é menos intricado, as hastes foram um pouco encurtadas, metais diferentes foram criados, mas sua essência não mudou nada.” [p. 62]

Enfim, conclui o autor, ‘freio macio’ não existe por natureza. Excetuando-se talvez o mercúrio, do qual você jamais fará um freio ou embocadura. Ferro é ferro. ” [p. 114]

Ainda sobre a fisiologia e a psicologia da dor equina, Nevzorov, esclarece: “O cavalo, para sua infelicidade, foi criado de tal modo que ele pode disfarçar qualquer dor, exceto a mais insuportável, até o fim, sem demonstrá-la de modo algum, e esforçando-se por não apresentar qualquer mudança em seu comportamento externo. […] Disfarçar um mal é um dos seus instintos mais profundos e primitivos, que não desapareceu completamente nos milênios da assim chamada ‘doma’”.

A razão pela qual esse animal senciente disfarça a dor até o limite do insuportável? “Na natureza selvagem, o cavalo que demonstra dor, fraqueza ou uma enfermidade ao mesmo tempo se condena a ser devorado […] ou a ser rebaixado na escala hierárquica do seu rebanho.” [p. 82-83]

O cavalo não é incapaz de avisar os humanos sobre suas dores e lesões. Ele o faz o tempo todo, de um modo que os humanos não tentam compreender, pois “interpretam esses sinais como desobediência, e assim começa o uso do chicote ou de equipamentos especiais”. [p. 83]

É sobre o diastema (o espaço sem dentes das gengivas em vertebrados) “que o ferro atua […] pois aqui está localizada a parte mais sensível do nervo trigêmeo. Nessa área não há uma camada submucosa que o possa proteger dos impactos da pressão do ferro. Esse o afeta diretamente. O nervo é super sensível. O ferro pressiona e impacta exatamente nesse ponto causando no cavalo “‘uma dor aguda, queimante e paralisante’.” [p. 96]

De 300 cavalos examinados em 2010 pela fisióloga Lydia Nevzorova, especialista em lesões equinas que trabalha na Haute École Nevzorov, “apenas um não apresentava lesões inflamatórias.” [103]

O que mais assombra é que este exame para detecção de inflamações por todo o corpo do cavalo, feito por Lydia Nevzorova, é tão caro que “somente cavalos de luxo são examinados”. [p. 103]. Se, de 300 cavalos de luxo apenas um não estava lesado, o que devemos concluir sobre a dor e as lesões dos cavalos pobres usados para tração e atração turísticas ao redor do mundo?

Em todo cavalo, sem exceção, escreve Nevzorov, “há uma profunda inflamação crônica do periodonto (periodontite), das gengivas e de toda camada que reveste a cavidade” atritada pelo ferro plantado na boca do animal. [p. 107]

A técnica da inflição de dor pelo ferro na boca pode ser entendida como a aplicação de uma dor maior ainda para fazer o cavalo obedecer, quando por natureza, ao estar sofrendo todas as dores crônicas, ele não se moveria em obediência a qualquer humano.

Assim, explica Nevzorov, “… a dor aplicada deliberadamente com força, para que seja efetiva e obrigue o cavalo a cumprir as instruções do cavaleiro, deve exceder consideravelmente as dores crônicas das numerosas lesões já existentes.” [p. 108]

Além das inflamações dolorosas, do ferro agressivo na boca, a chicotada vem para fazer o animal esquecer-se por um segundo dessas dores contínuas, ou da ameaça da dor lancinante causada pelo choque neurocranial aplicado na puxada do freio. “Simplesmente”, explica Nevzorov, “todos os meios coercitivos, tanto o ferro quanto os acessórios, são desenhados de tal modo que a dor usual nas costas, no pescoço e nas pernas, dos impactos no nervo trigêmeo ou nas gengivas sejam esquecidas.” [p. 108]

Caso alguém pense que com o uso contínuo se forma um calo que protegeria o cavalo da dor nas áreas da boca atritadas pelo ferro, Nevzorov, enfaticamente, desfaz qualquer ilusão: “Mucosas não formam calos. E a boca é pura mucosa.” [p. 108]

Os cavalos acabam por adotar um modo de aliviar as dores e o incômodo desse ferro plantado em sua cavidade bucal, movendo a língua e os maxilares para um lado e para o outro. Tais movimentos, explica Nevzorov, são uma tentativa de se proteger do ferro.” [p. 111]

Os bem-estaristas, com certeza, podem pensar que é possível eliminar a dor e o tormento dos animais, sem abolir o uso de ferros ou sem abolir o uso dos animais para tração, monta ou atração artística e turística. Não há chance. ” Se o ferro for grosso”, explica Nevzorov, ” ele poupa os lábios de cortes, mas fere a língua e os nervos adjacentes, pois ocupa mais espaço na boca e faz maior pressão”. [p. 114]

E aqueles que se gabam de conduzir o animal sem lhe causar dor alguma, os que se gabam de ter um “toque suave” ou “mãos suaves”, Nevzorov esclarece que tal habilidade nada mais é do que o “conhecimento de como infligir uma dor forte e paralisante na boca do cavalo, sem produzir feridas profundas locais ou fazendo isso raramente.” [p. 114]

Sobre a liberdade humana de infligir dor ao cavalo, Nevzorov escreve: “A habilidade de chicotear e de infligir dor não é um direito humano, isso apenas o transforma em um eterno inimigo, jamais em um líder.” [p. 147]

Sobre os cavalos usados para tração nas cidades, adverte: “Sua submissão e tranquilidade resultam de certos problemas fisiológicos que os transformam em mortos-vivos, e eles estão ali onde estão, porque foram completamente destruídos pelo esporte, pela tração de carroças, pela diversão.” [p. 167] Nevzorov afirma: “Vida na condição de alugado não é vida para um cavalo saudável.” [p. 167]

Sem deixar dúvida sobre a agonia dos cavalos montados e usados para tração, o autor conclui: “A liberdade”, para um cavalo, deve ser colocada antes da “saciedade, da satisfação e da segurança”, e o “movimento” em liberdade é uma necessidade orgânica, mais premente até do que a de comer, dormir e fazer sexo.” [p. 291]

[Todas as referências às páginas são do livro The horse crucified and risen, da Alexander Nevzorov, Haute École. Fiz a tradução para facilitar o acesso a essas informações às pessoas não afeitas a leituras em inglês.]

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Sônia T. Felipe, doutora em Teoria Política e Filosofia Moral pela Universidade de Konstanz, Alemanha (1991), fundadora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Violência (UFSC, 1993); voluntária do Centro de Direitos Humanos da Grande Florianópolis (1998-2001); pós-doutorado em Bioética – Ética Animal – Univ. de Lisboa (2001-2002). Autora dos livros Acertos abolicionistas: a vez dos animais (Ecoânima, 2014); Ética e experimentação animal: fundamentos abolicionistas (Edufsc, 2007;2014); Galactolatria: mau deleite (Ecoânima, 2012); Passaporte para o Mundo dos Leites Veganos (Ecoânima, 2012); Por uma questão de princípios: alcance e limites da ética de Peter Singer em defesa dos animais (Boiteux, 2003).

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