(Português) Não adianta ser vegano no mundo em que vivemos? Adianta sim!

ORIGINAL LANGUAGES, 2 Oct 2017

David Arioch | Jornalismo Cultural – TRANSCEND Media Service

Os animais merecem a nossa consideração e respeito.

— Não adianta ser vegano neste mundo em que vivemos. Há muita exploração, não tem como fugir disso. Você acha que está fazendo uma grande diferença, mas na realidade isso é uma ilusão.

— Bom, eu não acho que estou fazendo uma grande diferença, eu acredito que estou fazendo a minha diferença. Quero dizer, faço o que faço porque acredito que é certo. Se serve para motivar outras pessoas, que bom. Mas mesmo que não servisse, eu não teria motivo para não seguir esse caminho. Mesmo que todas as pessoas à minha volta me contrariassem, eu continuaria. Afinal, minhas escolhas não são baseadas no que a maioria pensa. Até porque, se fosse, provavelmente não teríamos essa conversa.

20 set 2017 – Sim, a exploração está por todos os lados, mas é interessante notar que a cada dia cresce o número de pessoas que já não querem se limitar a viver ignorando essas mazelas, mazelas que muitos dizem que são secundárias, justificando que nesse caso evidencia-se o sofrimento animal em detrimento do humano, o que, sobretudo, não é verdade. Porém, essa leitura é esperada e normalmente surge em um contexto que pode ter duas explicações ou associações – desconhecimento ou interesse (que pode ser fundamentado ou não na falácia).

O desconhecimento é aceitável, porque não é malicioso, é mais facilmente mutável a partir de uma abertura conscienciosa. Já o interesse, nem tanto, porque subsiste na defesa do indefensável, que é o argumento capcioso usado por quem defende um status quo, ou seja, que tem algum interesse individual, pessoal, profissional ou coletivo na perpetuação de uma prática evidentemente perniciosa que é a exploração animal.

Sobre o veganismo ser uma ilusão, enquanto uma filosofia que preconiza justiça para seres vivos não humanos, devo discordar, evidentemente. Creio que ilusão é não rejeitar a exploração animal quando temos recursos para mudar pelo menos nossos hábitos. Quero dizer, no mínimo partir de algum lugar e aperfeiçoar a rejeição de acordo com nossas possibilidades e força de vontade.

Sem dúvida, é um equívoco encarar a exploração de animais como parte de um processo natural, quando, natural, de fato, é permitir que outros seres vivos vivam o seu pleno potencial sem a má intervenção humana. Há poucas coisas naturais no mundo quando falamos de nossas relações com os animais, começando pelo processo de domesticação forçada de outras espécies. A maioria dos animais que as pessoas comem e exploram hoje em dia, não surgiram assim na natureza. Podemos dizer que são criações humanas.

Outro ponto a se considerar é que nos iludimos diariamente com a ideia de que os animais criados para consumo, ou qualquer outra finalidade exploratória, são felizes em nos servir, quando eles não manifestam prazer nisso. Afinal, qual animal nasce com o anseio de tornar-se vítima de outra espécie? Nenhum. Todos querem viver sem sofrer, sem passar por privação. Inclusive vítimas de ações inevitavelmente predatórias.

Usamos a nosso favor o fato de que animais não humanos explorados exaustivamente são incapazes de verbalizar qualquer insatisfação. Podemos inclusive mentir sobre como eles se sentem, levando em conta seus movimentos e expressões incertas ou dúbias na nossa perspectiva. É mais fácil ainda quando estamos diante de alguém que não se importa muito com vidas não humanas, que já está imerso na legitimação e aceitação da objetificação.

Sabemos que há muitos casos, cotidianos ou não, envolvendo condicionamento animal que podem nos levar à reflexão sobre a dissimulação que impomos a outras criaturas. Coloque uma criança diante de um animal adestrado para proporcionar-lhe algum tipo de divertimento, seja uma criatura há muito domesticada ou não.

Provavelmente, o animal fará algo que, aos olhos ingênuos de uma criança que desconhece a natureza daquela vida não humana, pareça divertido, alegre ou bonito. Mas não é, pelo menos não para o animal, isto porque forjamos e falseamos até mesmo impressões de satisfação, júbilo e prazer. Naturalmente porque o animal não pode nos contrariar.

Esse fato costuma ser explorado de forma artificiosa ou sofística por quem lucra a partir da exploração de outras espécies. Já que as queixas não humanas, mesmo que existam, e sejam expressas de algum modo, permitem o surgimento de controvérsias e o levantamento de dúvidas por parte daqueles mais céticos e insensíveis ao sofrimento animal. Sendo assim também um terreno fértil para a desinformação.

Não é incomum nos depararmos com exemplos de criaturas “brincando” sem querer brincar, ou tendo uma atitude que inspire artificialmente algo de positivo, porque assim foram condicionadas. “Que lindo o que ele faz! Deve ter gostado muito de mim”, comentaria alguma criança, diante de uma ação bela, mas não natural de um animal. E nisso ignora-se o fato de que o que foi testemunhado não foi uma ação espontânea, mas condicionada, assim como muitas que endossam a crença de que somos superiores, logo temos o direito de fazermos o que quisermos com outras espécies, não importando se elas estão sendo obrigadas a tomarem parte em algo não natural.

Em síntese, a naturalização da exploração permite às pessoas olharem o condicionamento, a privação, o sofrimento e a morte de seres não humanos como consequência aceitável de um pretenso bem maior. A dissimulação quando é alicerçada em uma construção histórica e cultural faz da ilusão não apenas verossimilhante, mas uma própria expressão da realidade aos olhos de tanta gente, que partindo do pressuposto de que animais não são “explorados em vão”, mas sim para beneficiar a humanidade, tudo parece válido, principalmente porque é permitido não tomar conhecimento de como isso acontece.

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David Arioch é jornalista, pesquisador e documentarista. Trabalha profissionalmente há dez anos com jornalismo cultural e literário.

 

 

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