(Português) A crise brasileira, parte da crise global

ORIGINAL LANGUAGES, 23 Jul 2018

Leonardo Boff | Opinion Sur – TRANSCEND Media Service

12 julho 2018 – Não se pode analisar o Brasil só a partir do Brasil. Nenhum país está fora das conexões internacionais, nem a fechada Coréia Norte, que a planetização inevitavelmente criou. Ademais nosso país é a sexta economia do mundo, coisa que desperta a cobiça das grande corporações que querem vir para cá, não para ajudar no nosso desenvolvimento com inclusão, mas para poder acumular mais e mais, dada a extensão de nosso mercado interno e da superabundância de commodities e de bens e serviços naturais, cada vez mais necessários para sustentar o consumismo dos países opulentos.

Três nomes devem ser lembrados, pois configuraram o quadro atual da economia e da política mundial. O primeiro é sem dúvida Karl Polaniy que já em 1944 notou “A grande Transformação” que ocorria no mundo. De uma economia de mercado estávamos passando para uma sociedade de mercado. Vale dizer, tudo é comercializável, até as coisas mais sagradas. Com tudo podemos lucrar, coisa que Marx em sua Miséria da Filosofia chamou de a grande corrupção e de a venalidade geral. Até órgãos humanos, a verdade, a consciência, o saber se transformaram em meios de ganho. Tudo é feito na lógica do capital que é a concorrência e não a solidariedade, o que faz as sociedades se esgarçarem em lutas ferrenhas entre as empresas.

Outros dois nomes cabem ser citados: Margareth Thatcher e Ronald Reagan.

Como consequência da erosão do socialismo real, entrou, vitorioso, o capitalismo agora sem peias, impostas antes pela contenção feita pelo modo de produção socialista. Agora o capitalismo pôde viver tranquilo sua lógica individualista, acumuladora e consumista. Thatcher era consequente ao afirmar que a sociedade não existe. Existem indivíduos que lutam por si contra todos. Reagan sustentou a total liberdade do mercado, a diminuição do Estado e o processo de privatização dos bens nacionais. Era o triunfo do neoliberalismo. Antes com o liberalismo, para usar uma metáfora, a mesa estava posta. Os endinheirados ocupavam os primeiros lugares e se serviam à tripa forra. Os demais encontravam seu lugar em alguma canto da mesa. Mas estavam à mesa. Com o neoliberalismo a mesa está posta. Mas somente podem participar quem tem condições de pagar. Os demais disputam os lugares ao pé da mesa com os cães, comendo restos.

Photo Credit: Rodnei Reis / Flickr Creative Commons

Esta política neoliberal implantada no mundo inteiro, deu livre curso às grandes corporações de poderem acumular o mais que podem. O lema de Wall Street era e continua sendo: greed is good (a ganância é boa). Tal vontade de acumulação fez com que um pequeno número de pessoas controlassem grande parte da riqueza mundial, gestando um mar de pobres, miseráveis e famélicos. Como a cultura do capital não conhece a compaixão nem a solidariedade e somente a competição e a supremacia do mais forte, criou-se um mundo com um nível de barbárie raramente alcançado na história.

Do meu ponto de vista, o capitalismo como modo de produção e sua ideologia política o neoliberalismo atingiram o seu fim, num duplo sentido. Lograram seu fim, vale dizer, alcançaram o seu fim-objetivo: a suprema acumulação. E o seu fim como término e desaparecimento. Não porque o queiramos, mas porque a Terra limitada em bens e serviços, grande parte não renováveis, não aguenta um projeto ilimitado rumo ao infinito do futuro. A Terra mesma tornará esse projeto impossível. Ou ele muda de modo de produção e de consumo ou será condenado a desaparecer. Como não possui um sentido de pertença e trata a natureza como mera coisa a ser explorada incontrolavelmente, seguirá um caminho sem retorno, pondo em risco o sistema-vida e a própria Casa Comum que poderá se tornar inabitável.

Ora, no transfundo teórico de nossos neoliberais brasileiros, os que deram o golpe e elaboraram “A Ponte para o Futuro” (para o fracasso) vem imbuídos, sem o mínimo de consciência e de crítica, desse sonho mau neoliberal. Querem um Brasil só para eles, ou uma província secundária, agregada e dependente do grande Império do Capital. Eis a nossa ruína e a nossa desgraça. Eles prolongam a dependência e a lógica colonial.

Um país que mal e mal estava dando os primeiros passos rumo a sua refundação, sobre outras bases, valores e princípios, com os olhos abertos e as mãos operosas em políticas de desenvolvimento humano com inclusão social foi desavergonhadamente abortado. Aqui reside a nossa verdadeira crise que perpassa todas as instâncias.

Mas o que deve ser tem força. Ainda assim cremos e esperamos que superaremos essa travessia dolorosíssima para as grandes maiorias, em fim, para todos. Iremos ainda brilhar. Cantou o poeta em tempos sombrios como o nosso: “faz escuro mas eu canto”. Eu imitando-o digo:”em meio às incertezas, ainda sonhamos e esse sonho é bom e antecipa uma realidade benfazeja”.

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Leonardo Boff é um escritor, teólogo e filósofo brasileiro, professor emérito de ética e filosofia da religião da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, recebedor do Prêmio Nobel Alternativo da Paz do Parlamento sueco [Right Livelihood Award]em 2001, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra, e professor visitante em várias universidades estrangeiras como Basel, Heidelberg, Harvard, Lisboa e Salamanca. Expoente da Teologia da Libertação no Brasil, foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos. É respeitado pela sua história de defesa pelas causas sociais e atualmente debate também questões ambientais. Colunista do Jornal do Brasil, escreveu os livros Francisco de Assis: Ternura e Vigor, Vozes 2000;  A Terra na palma da mão: uma nova visão do planeta e da humanidade,Vozes 2016;  Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010;  A hospitalidade: direito e dever de todos, Vozes 2005; e Paixão de Cristo, paixão do mundo, Vozes 2001.

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