(Português) Quem matou quem?

ORIGINAL LANGUAGES, 23 Jan 2017

Por Carol Zerbato - ANDA Agência de Notícias de Direitos Animais

A orca Tilikum. Reprodução | SeaWorld

16 de janeiro de 2017 – Morre orca que matou a própria treinadora.
Morre baleia assassina que matou treinadora em 2010.
Morre Tilikum, a verdadeira orca assassina.

Foram essas as repetidas manchetes – não só no Brasil, mas pelo mundo – sobre a morte de Tilikum, orca mantida em cativeiro pelo SeaWorld por mais de 25 anos.

E não houve, na verdade, nenhuma má intenção de escritores e jornalistas em estereotipar Tilly como a “baleia que matou a própria treinadora”. Afinal e infelizmente, quando estamos na posição de formadores e informadores de opinião, tratando de um tema polêmico dentro de um nicho complexo, se faz necessário situar o leitor de alguma forma.

Por outro lado, o estigma em que a vida e a morte de Tillikum foram envolvidas é um convite à nossa reflexão. Não como jornalistas, não como publicitários, não como ativistas. Simplesmente, como seres humanos.

Comecemos, então, pela etimologia. Cientificamente, a espécie está sob o gênero Orcinus, do latim “reino da morte” ou que pertence a Orcus, o deus do submundo. A expressão “baleia assassina” surgiu entre os marinheiros do século XVIII, unicamente pelo fato de algumas orcas se alimentarem de outras baleias, focas e golfinhos. De lá para cá, não há nenhum registro sequer de ataque de orcas a seres humanos em habitat natural. O termo “orca” só ganhou popularidade a partir dos anos 1960, quando cientistas e estudiosos começaram a perceber o quão inteligente e gentil esse animal poderia ser.

Tilikum foi capturado da natureza em 1983, separado da família aos dois anos de idade – o que, não só levando em consideração o fato de ser arrancado de seu ambiente, mas também a estrutura e a cultura familiar da espécie, já é indiscutivelmente cruel.

Foi transportado para um zoológico marinho na Islândia, lugar em que viveu por um ano até ser vendido para o Sealand, já extinto parque aquático no Canadá, onde dividia o tanque com mais duas orcas fêmeas. Na época, o adestramento de cetáceos ainda era realizado com reforços negativos. Se Tilly fazia um truque errado, as três orcas eram punidas pelos treinadores; e ele, punido por suas companheiras de cativeiro. Tilikum, que ainda não tinha alcançado a marca de suas cinco toneladas, quase o dobro do peso que as outras duas, vivia cheio de lesões pelo corpo.

Os tanques do Sealand não eram piscinas de concreto em sua totalidade. Os recintos eram fechados por redes. Quando Tilly atingiu cinco metros de comprimento e passou das cinco toneladas, os responsáveis pelo parque ficaram com receio de ele conseguir arrebentar as barreiras e fugir para o mar. Assim, Tilikum passou a ser confinado em um tipo de container, de seis por nove metros, onde, obviamente, mal conseguia se mexer.

Em 1991, um dos treinadores do parque, Keltie Byrne, de 20 anos, escorregou e caiu em um dos tanques. Não conseguiu se desvencilhar de Tilly e suas companheiras, e acabou morrendo afogada. O Sealand não aguentou a pressão e sucumbiu, fechando suas comportas pouco tempo depois. Foi quando Tilikum seguiu para o SeaWorld.

Estrutura melhor, confinamento igual. Nessa época, o parque de Orlando ainda defendia que a expectativa de vida das orcas era maior em cativeiro, por conta dos tratamentos especializados a que eram submetidas. Pouco tempo depois, o SeaWorld passou a receber não um tanque, mas um mar de críticas por capturar os animais na natureza para os espetáculos. O parque, então, começou o seu programa de reprodução, em que Tilikum tinha uma função fundamental: robusto, era o reprodutor mais valioso do complexo aquático.

Isso explica por que a oferta de Steve Dunn, fundador e CEO de uma marca americana de produtos para bebês e ativista pelo fim do cativeiro de cetáceos, que estava disposto a pagar um milhão de dólares pela liberdade de Tilikum, não fez nem cócegas na administração do parque.

A morte da treinadora Dawn Brancheau, em 2010, não só reacendeu a discussão da exploração de animais pela indústria do entretenimento, como também o impasse sobre a segurança dos profissionais: nos EUA, há uma luta intensa e paralela do sindicato trabalhista para que os treinadores sejam colocados para fora dos tanques.

Embora, convenhamos: se você, como treinador, se dispõe a nadar em uma piscina com um animal de cinco toneladas e quase sete metros, você sabe do risco que está correndo; se você, como empresa, coloca seu profissional para nadar em uma piscina com um animal de cinco toneladas e quase sete metros, você sabe do risco que está correndo.

Cada um sabe do seu dorso. E o SeaWorld sabia do seu. Por isso, a manobra política sobre a morte de Dawn começou já no anúncio da tragédia para a grande mídia: o comunicado oficial dizia que a treinadora não estava na água no momento do acidente; que ela havia sido puxada por Tilikum pelo cabelo, porque usava um rabo de cavalo. A cena se estendeu com o parque afirmando ainda que todas as treinadoras seriam obrigadas a usar coques, em nome da segurança das profissionais.

A história foi logo desmentida por testemunhas, que afirmaram que tudo ocorreu quando Daw entrou na água para realizar sua parte do show.

Em 2013, com o lançamento de BlackFish, documentário que, por meio da história de Tilikum, expõe os bastidores e a crueldade dessa indústria, o SeaWorld não teve mais como varrer a sujeira para debaixo do tanque: o complexo de parques passou a registrar quedas estrondosas de público e de faturamento, além de perder patrocínios e parcerias comerciais.

Enquanto isso, Tilikum, cuja saúde mental já estava dilacerada, começava a apresentar sinais de estafa física. Raramente, aparecia nos shows. Chegava a passar três horas sem se mexer dentro do tanque. Seu estado se tornou, praticamente, letárgico. Em março de 2016, o SeaWorld anunciou que Tilly estava doente, acometido por uma infecção no pulmão causada por uma bactéria. O triste desfecho era só uma questão de tempo.

Na última sexta-feira, dia 6, o parque tornou pública a morte de Tilikum, afirmando que ele já estava em idade avançada e ressaltando o quanto todos da família SeaWorld lamentavam a sua partida… Mas que “a vida de Tilikum estará sempre ligada à perda de nossa amiga e colega Dawn Brancheau”.

Não, Tilikum não estará sempre ligado à morte de Dawn. O SeaWorld estará.

Não, Tilikum não morreu por conta da idade avançada. Na verdade, Tilikum partiu 24 anos antes que sua expectativa de vida em habitat natural.

Não, Tilikum não morreu na manhã de sexta-feira. Tilikum estava morrendo há 34 anos.

Sejamos honestos.

Quem matou quem mesmo?

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Carol Zerbato é publicitária e ativista pelos direitos animais.

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