(Português) “Falar bem do outro é mais difícil, nós gostamos mesmo é de odiar”

ORIGINAL LANGUAGES, 6 Mar 2017

Leandro Karnal | Raízes Jornalismo Cultural – TRANSCEND Media Service

Transcrição de trechos da entrevista que o Professor Leandro Karnal concedeu a UOL-TV – Originalmente titulada de “O historiador Leandro Karnal aponta as características do racismo no Brasil”

“Falar bem do outro é mais difícil, nós gostamos mesmo é de odiar.  Amar é um pouquinho mais complicado. A espécie humana não pára o carro para ver uma árvore florida, mas sim para ver um acidente.

Num acidente na rodovia todo mundo quer ver sangue.  A parte policial é mais atenta na leitura do jornal.Ninguém publica nas páginas da Folha ou do Estadão: ipês rosa deslumbram São Paulo.Não se admite uma coisa dessas, infelizmente.  É impossível pensar a felicidade. Ninguém faz fofoca, por exemplo, sobre a alegria, coisa deste tipo: “você soube que o fulano está fazendo sucesso? Você sabe que ele está feliz?”.  Ao contrário, se diz com sarcasmo: “ele faz sucesso e é feliz, porém…”.

É a adversativa que cria empatia ente nós. Porque transferir a sua dor de existir e a minha dor para um terceiro é uma das melhores coisas; é o chamado “bode expiatório”. Isso é uma das melhoras coisas da vida, não? Tudo teria dado certo na minha vida se eu não tivesse casado com fulana…  

A polarização na política não vai durar muito tempo. Nós já tivemos polarização no passado.  E tivemos momentos não polarizados. Porém, a polarização tem muita força. Se eu identifico que todos os problemas que estou vivendo estão relacionados a um partido ou a um personagem é bom, porque aí eu não tenho nenhuma responsabilidade. Isso funcionou tragicamente quando Hitler identifica nos judeus os problemas da Alemanha. Então, não fui eu quem trabalhou pouco, não fui eu quem fez tal coisa; foram os judeus, foi tal partido.  Quem faz problemas ao Brasil vem de tal região, ou seja, você transfere a sua responsabilidade e a sua dor.

As pessoas têm muitas dores: dores existenciais, sexuais, econômicas. Como seria bom que tudo isso pertencesse ao outro e que, dizendo uma coisa bem filosófica, “eu tiro o meu da reta”. Ou seja, transfiro todas as minhas mazelas para o outro.

É verdade que a gente põe para fora o que a gente tem dentro? 

Você não pode se incomodar com nada se você não tiver um eco disso. O horror que nós temos ao caso trágico de um pai matando o filho ou uma mãe matando o filho é um pouquinho do sentimento que temos de ‘matar filho’ desde que ele nasce.  Se não foi assim na primeira infância, será na adolescência, pegar no pescoço do filho e torcer lentamente. Aí quando o pai faz isso todo mundo fica horrorizado, é um monstro. Por que ele é um monstro? Porque ele mostrou um espelho daquilo que eu posso ser, mas eu controlo? Como é custoso para eu controlar, como é difícil para eu controlar.

Mais fácil eu jogar toda essa minha dor no outro.  Quer dizer, para você ser magra você tem de abdicar de muitos prazeres. Aí você olha quem não abdicou desses prazeres, caiu de boca no quindim, nada nos fios de ovos, adora baba de moça e você diz: ah, que pessoa relaxada. Quer dizer, ela vive a alegria que eu não tenho mais. A minha única alegria é a endívia quinzenal que eu estou fazendo.  Ou seja, essa é uma maneira de transferir responsabilidade.

Mas nem tudo é emocional, existem questões culturais, estruturas outras, porém a explicação psicanalítica revela muito sobre o individuo.  Eu ataco aquilo que eu desejo, eu ataco aquilo que é o ter. É impossível explicar a humanidade sem levar em conta este fenômeno psicanalítico.

Sobre o racismo, a Constituição de 88 deu para o racismo brasileiro a punição mais dura do planeta Terra.

O racismo no Brasil é punido com prisão inafiançável. É pior do que o assassinato, porque no assassinato você pode pagar fiança em alguns casos. Se a punição é duríssima é porque nós vivemos um processo racista. Em 516 anos de Brasil 388 foram feitos na escravidão. A tradição escravista está presente entre nós. O fato de que o Congresso, o fato de que as grandes universidades, o fato de que no empresariado, apesar de a população brasileira ser tão marcadamente negra, mulata e outras expressões, e não estar representada tão matematicamente no Congresso é sinal de que temos um problema.

Nosso problema não é tão declarado como nos Estados Unidos, onde se formam guetos imediatamente e se afirma o racismo. Aqui o racismo é disfarçado, porém, ele é muito forte.  Aquele racismo asqueroso que denuncia, sempre existe. Mas há um racismo um pouco mais diluído, por exemplo: o Brasil é o país que mais venda “chapinha” no planeta Terra. É uma forma de tornar uma estética que é o cabelo bom. E o cabelo bom é o cabelo liso? Claro que eu não sou uma autoridade em cabelo e nem uma pessoa que pode desenvolver o tema”. Leandro Karnal em entrevista a UOL-TV – Transcrição e adaptação – Portal Raízes.

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Leandro Karnal é um historiador brasileiro, atualmente professor da Universidade Estadual de Campinas na área de História da América. Foi também curador de diversas exposições, como A Escrita da Memória, em São Paulo, tendo colaborado ainda na elaboração curatorial de museus, como o Museu da Língua Portuguesa em São Paulo. Graduado em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutor pela Universidade de São Paulo, Karnal tem publicações sobre o ensino de História, bem como sobre História da América e História das Religiões.

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