(Português) Brasil: Da calamidade das calaminades de Bolsonaro à esperança esperante de Lula

ORIGINAL LANGUAGES, 2 Jan 2023

Leonardo Boff – TRANSCEND Media Service

29 Dez 2022 – Durante os quatro anos da administração do presidente Bolsonaro, o país viveu afetado por  todas as pragas do Egito. Das muitas opções possíveis para algum problema, o presidente geralmente escolhia a pior. Psicótico, era apático face às desgraças infligidas ao´povo, particularmente aos mais vulneráveis. O auge de seu orgasmo psicótico foi atingido quando proibiu água, vacinas e remédios aos indígenas, tidos por ele como sub-humanos. Por isso, provavelmente, deverá enfrentar um processo de genocídio, já encaminhado pelos próprio indígenas, junto ao Tribunal Penal de Crimes contra a Humanidade em Haia.

É de todos conhecida a lista das omissões, dos crimes comuns e contra a humanidade, das violações das leis e da Constituição perpretadas por esta figura dia-bolica (que separa contrariamente a sim-bólica que une) de forma continuada e sem qualquer escrúpulo. De passo, cabe reconhecer que, a nossa democracia por ser de baixa intensidade junto com a maioria de suas instituições, não se revelou à altura do desafio antidemocrático e antinacionai para enfrentar tais desvarios. Deixemos de lado as atrocidades cometidas por este presidente, cujo nome deve constar no livro dos crimes cometidos contra o seu próprio povo.

A gravidade do desastre produzido em todos os campos é de tal magnitude que talvez somente uma reflexão histórica e sociológica não sejam suficientes para decifrá-lo. Demanda uma indagação filosofante,coisa que tentei em alguns artigos anteriores.

Utilizei-me de duas categorias, uma ocidental, a da sombra, e outra oriental a do karma, dialogando entre elas.

Talvez se faça necessária uma pequena referência aos pressupostos teóricos desta leitura: à física quântica e ao pensamento ecológico moderno nos ajudem a entender  este sinistro fenômeno.

Sabemos hoje que todos os sere estão inter-retro-conectados,todos estão envolvidos em redes de relações. Cada relação deixa uma marca entre os seres relacionados e assim surge uma história, a cosmogênese. Experiências dramáticas deixam marcas que,não raro, procuramos recalcar,mas que permanecem no inconsciente coletivo. Jung chama a isso de sombra. Algo parecido ocorre com o karma. Cada ação deixa uma marca que provoca uma correspondente reação. Tanto Jung quanto o  filósofo japonês Daisaku Ikeda convegem nesta acepção. Em outras palavras, não há apenas a sombra e o karma indidivual.Eles podem assumir um caráter coletivo presente no substrato e no inconsciente de cada povo.

Voltando ao nosso tema: somos herdeiros de uma tormentosa história de sombras: a do genocídio indígena, a colonização que nos impedia possuir um projeto próprio, a escravidão, a mais grave,que reduziu pessoas humanas a escravos e usados como animais na produção, sombra de nossa república e democracia frágeis que nunca foram includentes,pois a conciliação das classes endinheiradas nunca fizeram um projeto nacional para todos, apenas entre elas com a exclusão das grandes maiorias de negros,pobres,indígenas e outros. Essa sombras desumanas trabalharam no inconsciente coletivo,provocando quilombos e revoltas, todas elas exterminadas a ferro e fogo para manter as vantagens “de elite do atraso”(Jessé Souza). Elas trabalharam também no inconsciente das minorias endinheiradas,geralmente na forma de medo  e insegurança. Ao dar-se conta de que as sombras das classes humilhadas começaram a ganhar força história a ponto de terem eleito um dos seus representantes à presidência, Lula, logo foram por todos os meios rebaixadas, reprimidas,combatidas até cortar-lhe o caminho por um golpe civil-militar em 1964 de,sob outra forma,repetido em 2016 com o impeachement  Dilma Rousseff.As motivações eram as mesmas:garantir seu poder e fortunas.

Na pessoa medíocre,sem projeto pessoal nenhum e manipulável estas classes encontraram o representante ideal que precisavam. Elegeram o atual presidente, sempre sustentado por elas, pois, com sua economia ultra-neoliberal, aliada a uma política de extrema-direita, acumularam,apesar da pandemia do Covid-19, como nunca antes na história. Fizeram de tudo para garantir-lhe a reeeleição (figurativamente, fizeram-lhe comprar a arena de futebol, comprar o time, comprar  os gandulas,comprar o juiz, e ainda assim perderam).Há uma força maior que a maldade arquitetada.

A força kármica (abstraindo as muitas reencarnações) segundo Ikeda impregna com sua sombra a história e as instituições,positiva ou negativamente. Arnold Toynbee que entreve um longo diálogo com Ikeda, prefere outra categoria e não a kármica, ao dizer que a  história carrega um próprio peso que são os fracassos e sucesso de um povo. Ele gera também uma sombra no inconsciente coletivo que se projeta nas redes sociais e conforma o destino de um povo.

Voltando ao tema em tela: com o atual governo tivemos que penar sob o peso de nossas muitas sombras sombrias que se expressavam pelo ódio, pela mentira,pelos fake news,pela distorção da realidade. Ganhou corpo na figura sinistra do presidente,cuja megasomba tinha o poder de  suscitar e animar a sombra coletiva de um povo já fragilizado. Criou um um campo kármico ou forjou o gabinete do ódio e todas as formas de obcenidades políticas e éticas.

O destino quis que essa insensatez,cujo projeto era levar-nos ao mundo do  pre-iluminismo, pois esse promovia a escola para todos,os direitos humanos e as liberdades modernas, avanços civilisatórios, sistematicamente negados pelo bolsonarismo.

O Brasil foi submetido ao seu maior desafio havido em nosso história. Foi humilhado internamente e envergonhado externamente.

Mas nunca esmoreceu esperança, aquele motor interior, maior que a virtude, que nos faz nunca desistir, que nos sustenta nos enfrentamentos e nos faz levantar quando caídos. Esse princípio-esperança nunca morre porque é ele o vigor secreto de toda vida que recusa morrer e sempre reafirma a força intrínseca da vida, nos força a rasgar caminhos novos e mundos “ainda não experimentados”(F.Pessoa). O esperançar de Paulo Freire e a esperança esperante,que nunca desistem,sempre insistem e criam a condições histórica para que a utopia viável se torne realidade. Passamos pela prova. A magna calamidade de Bolsonaro foi vencida pela esperança esperante de Lula. Temos esperança de que o novo presidente com a equipe de excelência que articulou, pode refazer o que foi destruído e, muito mais, abrir rumos novos, bons para nós e para o mundo, pois, pelo Brasil passará,seguramente,  futuro ecológico da vida e da  humanidade.

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Leonardo Boff é um escritor, teólogo e filósofo brasileiro, professor emérito de ética e filosofia da religião da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, recebedor do Prêmio Nobel Alternativo da Paz do Parlamento sueco [Right Livelihood Award]em 2001, membro da Iniciativa Internacional da Carta da Terra, e professor visitante em várias universidades estrangeiras como Basel, Heidelberg, Harvard, Lisboa e Salamanca. Expoente da Teologia da Libertação no Brasil, foi membro da Ordem dos Frades Menores, mais conhecidos como Franciscanos. É respeitado pela sua história de defesa pelas causas sociais e atualmente debate também questões ambientais. Colunista do Jornal do Brasil, escreveu os livros Francisco de Assis: Ternura e Vigor, Vozes 2000;  A Terra na palma da mão: uma nova visão do planeta e da humanidade,Vozes 2016;  Cuidar da Terra – proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010;  A hospitalidade: Direito e dever de todos, Vozes 2005; Paixão de Cristo, Paixão do Mundo, Vozes 2001; Brasil: Concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018; “Destino e Desatino da Globalização” em: Do iceberg à Arca de Noé, Mar de Ideias, Rio 2010 pp. 41-63.

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