(Portuguese) A Questão dos Ómegas!

ORIGINAL LANGUAGES, 31 Oct 2011

Centro Vegetariano – TRANSCEND Media Service

Muito se tem especulado sobre os ómegas 3 e 6, e sobre a sua importância na saúde humana. Por consequência essa especulação envolve de forma mais ou menos polémica os vegetarianos.

Existem diversas afirmações que fazem crer que os vegetarianos não conseguem ingerir as quantidades necessárias destes compostos, uma vez que só consumindo peixe, supostamente as poderiam obter, comprometendo gravemente a sua saúde, especialmente a saúde cardíaca e mental.

Mas vamos perceber que não existe motivo para alarme, mais uma vez, este é um tema que requer conhecimento e responsabilidade na escolha alimentar.

É importante começar por perceber quem são os “tais” ómegas 3 e ómegas 6. Devemos saber que os ómegas-3 (ácido linolénico) e ómega-6 (ácido linoleico) são ácidos gordos essenciais, ou seja, fazem parte da estrutura dos lípidos (gorduras), que são fundamentais para uma nutrição adequada e saudável. Apesar de a gordura estar associada à obesidade, ela não deve nunca ser completamente banida da nossa alimentação, pois para além de ser uma fonte energética importante, entre outras coisas, é fundamental na constituição e funcionamento das membranas celulares, implicando por isso diversas reacções químicas no organismo, pelo aporte de ácidos gordos essenciais.

Existem 4 tipos de ácidos gordos: saturados, monoinsaturados, polinsaturados e trans. Destes, os que devemos consumir em menor quantidade são os saturados e os trans. Os polinsaturados (ácidos ómega-3 e ómega-6), são o nosso tema, e devem ser ingeridos considerando um equilíbrio entre os dois. Mas disso já falaremos.

E porque são considerados essenciais? Quando existe referência a um nutriente essencial, significa que o mesmo não pode ser produzido pelo nosso organismo, e deve por isso ser garantido pela dieta alimentar. Assim, os ácidos gordos ómega-3 e ómega-6, só podem ser conseguidos através da ingestão na dieta ou por suplementação. Se não os ingerirmos, após determinado período as consequências da deficiência serão graves para saúde.

Este tipo de ácidos gordos, desempenham funções fundamentais à manutenção e preservação de uma vida saudável. O ómega-6 assegura um papel importante na saúde dos vasos sanguíneos, na coagulação, no sistema nervoso e na inflamação. As suas características permitem-lhe activar o sistema imunológico, funcionando como um anti-inflamatório, actua nas reacções alérgicas e favorece a cicatrização da pele. No entanto, o seu excesso faz aumentar a produção de eicosanóides “maus” (precursores do processo inflamatório), e isto pode traduzir-se na formação de trombos, placas de gordura, doenças cardiovasculares, alterações da tensão arterial, aumento dos triglicéridos e colesterol, depressão, doença de Alzheimer, desordens alérgicas e inflamatórias, especialmente em pessoas susceptíveis, e existem estudos com referência a acção cancerígena.

O ómega-6 está disponível em grande quantidade nos óleos vegetais (milho, girassol, soja) e em menor quantidade nas verduras, frutas, frutos secos e cereais. Pelo que é simples consumir as quantidades necessárias e até exceder essas doses, por se consumir elevado teor de gorduras, em produtos pré-confeccionados, produtos industrializados (bolos, gelados, bolachas etc.), fast-food, etc.

O caso muda de figura quando falamos de ómega-3. A deficiência deste ácido gordo na dieta é comum, e a maioria dos estudos evidencia que os níveis dos seus derivados activos, em vegetarianos são mais baixos do que em não vegetarianos. A família ómega-3 tem funções anti-inflamatórias, são protectores cardiovasculares prevenindo doenças cardíacas, enfartes, hipertensão, previnem doenças auto-imunes, artrite reumatóide, doenças degenerativas, etc.

Estes encontram-se disponíveis na algas, peixes (especialmente peixes gordos), sementes ou óleo de linhaça, nozes, na carne e ovos em menor quantidade e nos lacticínios em muito pouca quantidade. Até aqui tudo bem, podemos ingerir ómegas-3 facilmente a partir da dieta, mas será que o ingerimos na quantidade suficiente?

Para compreendermos melhor todo este processo é necessário perceber que o ómega-6 e ómega-3 são inactivos no organismo, ou seja, eles necessitam ser transformados nos seus derivados, ácido araquidónico (AA – pelo ómega-6) e os ácidos docosahexanóico (DHA) e eicosapentanóico (EPA) – ambos pelos ómega-3, esses sim com função fisiológica activa. Os únicos alimentos através dos quais se consome directamente o DHA e EPA são as algas, os mariscos e peixes (que consomem essas algas).

Sabe-se que os omnívoros ingerem cerca de 100 a 150mg de EPA e DHA por dia, os ovo-lacto-vegetarianos cerca de 5 a 33mg e os veganos uma quantidade quase irrelevante.

As recomendações diárias de ómega-3 para homens omnívoros são de 1,6 g diárias e 1,1 g nas mulheres (aumentando a necessidade na gravidez e amamentação). Alguns autores recomendam que os vegetarianos dobrem estes consumos e tentem obter da dieta pelo menos 3,2 g os homens e 2,2 g as mulheres, no sentido de se conseguirem valores adequados de EPA e DHA. Isto porque a conversão dos ómegas nestes importantes derivados é pouco eficiente e estima-se que apenas entre 5 a 10% do ómega-3 é convertido em EPA e 2 a 5% em DHA. Existem estudos que referem valores de conversão superiores, mas o que devemos ter em conta é que a conversão é baixa e menos eficiente em homens do que em mulheres.

Mas tão ou mais importante do que conseguir valores adequados de ómega-3, é obter proporções equilibradas entre ómega 3 e 6. No organismo as reacções de conversão dos ómegas nos seus derivados competem pelas mesmas enzimas, e sabe-se que a presença de ómega-6 diminui a conversão de ómega-3 em DHA e EPA. Devido ao aumento da quantidade de ómega-6 nas dietas ocidentais esta proporção não é equilibrada e prejudica a saúde, atribuindo-se o aumento das doenças degenerativas, auto-imunes e de carácter inflamatório a este desequilíbrio.

O equilíbrio entre eles parece favorecer, segundo alguns estudos, a diminuição da taxa de mortalidade de doentes com doenças cardiovasculares em 70%, redução das inflamações nas artrites reumatóides (em proporções ómega 6 /ómega 3 de 4/1) ou diminuição dos sintomas decorrentes da asma (em proporções de 4/1, tendo-se intensificado os sintomas em proporções de 10/1).

É assim essencial conseguir uma dieta com uma razão equilibrada de ómega-6/ ómega-3 na prevenção e manutenção da saúde, pelo que assume grande importância na nutrição humana resultando em diversas recomendações, por exemplo a FAO/ WHO recomendam uma razão de 5 para 1 até 10 para 1.

Sabe-se que a proporção ingerida pela maioria da população é superior a estes valores, podendo chegar a valores de 20 para 1 e até 40 para 1 nos Estados Unidos.

Nesta competição entre o “bem e o mal” o equilíbrio é fundamental. Como resolvemos isto na prática?

No caso dos vegetarianos, o aumento do consumo de sementes, nozes e algas vai garantir o aporte de ómega-3 em boas concentrações. Mas existem outros cuidados essenciais para que se garanta uma quantidade adequada de EPA e DHA e se consiga o equilíbrio entre os ómegas-3 e 6. Importa referir que a conversão de ómegas em DHA e EPA necessita da vitamina B6, proteínas, biotina, cálcio, magnésio, zinco e um aporte adequado de calorias. Em resumo uma alimentação equilibrada e saudável facilita estas conversões, da mesma forma que o álcool, o excesso de gorduras trans, de ómega-6, o stress, poluição, dificultam estas reacções.

O que fazer?

– Preferir óleos com melhor proporção de ómega 6 e 3, como o de linhaça, cânhamo ou soja, prensados a frio, e não utilizar para confeccionar;

– Utilizar gorduras monoinsaturadas, o azeite;

– Consumir frutos secos (sem exagerar, pois são muito calóricos), frutas frescas e verduras todos os dias;

– Evitar produtos pré-confeccionados e alimentos processados, pois são ricos em gorduras trans, saturadas e ómega-6;

– Aumentar o consumo de algas;

– Aumentar o consumo de sementes, como linhaça, girassol, chia, abóbora, sésamo.

Se ingerirmos duas colheres de sopa de sementes de linhaça diariamente obtemos cerca de 4g de ómega-3. Esta pode ser consumida inteira ou moída (os óleos ficam mais disponíveis), podemos adicionar ao iogurte, à sopa, a saladas, num batido, ou simplesmente ingerir as sementes directamente. Têm um sabor bastante agradável e são fáceis de adquirir em qualquer hipermercado ou lojas de produtos naturais. Podemos juntar as sementes de sésamo e girassol. Quanto ao óleo de linhaça, um pouco menos saboroso, uma colher de chá (15ml) contém cerca de 2,7g de ómega-3. Podemos adicioná-lo às saladas, não o use para cozinhar, nem o aqueça. Uma alimentação saudável e variada permite obter os nutrientes necessários para que todas estas reacções aconteçam de forma a manter a nossa saúde.

Para concluir, devemos reter que as gorduras são um nutriente importante e indispensável, mas se ingeridas em excesso serão prejudiciais. Da mesma forma os ácidos gordos essenciais que delas provêm devem ser obtidos de forma suficiente e equilibrada, isto significa que devemos seleccionar a quantidade e o tipo de gorduras que consumimos. O ácido gordo ómega-6 é muito importante para a saúde, mas o seu excesso pode ter repercussões graves para a mesma. O ómega-3 tem papel fundamental no funcionamento celular, principalmente para o sistema nervoso e retina, evitando problemas de visão, doenças neurológicas, prevenindo situações de depressão, doenças degenerativas, cardiovasculares, etc. O equilíbrio entre os dois é a pedra basilar para que o seu benefício possa ser devidamente aproveitado. Escolha bem os alimentos que consome, garanta o consumo de ómega-3 e não terá de comer peixe, como tanta gente quer fazer acreditar.

Coma bem e de boa saúde!

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