(Português) Baleeiras Japonesas: Um Choque para o Sistema

ORIGINAL LANGUAGES, 2 Mar 2015

George Monbiot – ANDA-Agência de Notícias de Direitos Animais

Uma das maiores piadas na área de conservação é a afirmação vinda do governo japonês de que está praticando “pesca científica de baleias”. Todas as mortes causadas por sua frota de lançadores de arpões acontecem sob o pretexto de serem “pesquisa”, já que esta é única justificativa disponível sob regras internacionais.

Fim da linha: Uma baleia Minke e sua cria de 1 ano são içadas para o Nisshin Maru, o único navio processador de baleias do mundo, no Oceano Antártico, em fevereiro de 2008. Neste caso, a "investigação legal' apregoada na popa do navio provocou um ferimento enorme na barriga da cria, resultante de um arpão explosivo. |AUSTRALIAN CUSTOMS AND BORDER PROTECTION SERVICE

Fim da linha: Uma baleia Minke e sua cria de 1 ano são içadas para o Nisshin Maru, o único navio processador de baleias do mundo, no Oceano Antártico, em fevereiro de 2008. Neste caso, a “pesquisa legal’, apregoada na popa do navio, provocou um ferimento enorme na barriga da cria, resultante de um arpão explosivo. |AUSTRALIAN CUSTOMS AND BORDER PROTECTION SERVICE

De acordo com Joji Morishita, um diplomata que representou o Japão nas negociações sobre a pesca de baleia, este “programa de pesquisa” produziu 666 artigos científicos. Devemos respeitar o direito do senhor Morishita de invocar o número da Besta, que inclusive pode ser bem apropriado ao caso, mas durante as investigações sobre essa pesca praticada pelo Japão, a Corte Internacional de Justiça descobriu que todo esse “programa de pesquisa” na verdade resultou em apenas dois artigos com revisão de especialistas (peer-review) e que usaram dados relativos às carcaças de nove baleias.

Durante o mesmo período, a frota japonesa matou 3.600 indivíduos. Então quais foram as importantes questões científicas que esta matança tentava responder? Aqui vão suas prováveis áreas de pesquisa:

– Quanto se pode ganhar com a venda de cada carcaça?

– Carne de baleia fica mais gostosa frita ou assada?

– Até onde a gente pode zombar da cara de todo mundo e se safar?

Nós estamos corretamente indignadas com este tipo de enganação. Mas enquanto concentramos nossa atenção num país do outro lado do mundo, o mesmo truque – o assassinato em massa de criaturas marinhas com a desculpa de “pesquisa científica” – está agora sendo usado debaixo do nosso nariz. Nosso próprio governo, junto com a Comissão Europeia e outros Estados-membros, está realizando essa duplicidade.

Pescar na Europa com venenos, explosivos e eletricidade é proibido. Mas a Comissão Europeia tem gradualmente retirado a proibição ao uso da eletricidade. Começou com um ou dois barcos, até que em 2010, depois de um lobby feroz do governo dos Países Baixos, 5% da frota holandesa de barcos de arrasto foi autorizada a usar a técnica. Em 2012, a proporção aumentou para 10%. 85 barcos massivos holandeses para executar superarrastos agora estão equipados com aparelhos de pulso elétrico, a um custo de cerca de 300 mil libras por navio.

Nos últimos meses, o governo britânico licenciou 12 barcos. Eles estão registrados no Reino Unido e utilizam sua bandeira, o que significa que têm permissão para pescar dentro de nosso limite de 12 milhas, mas de acordo com alguns, os barcos teriam sido financiados e equipados por empresas dos Países Baixos.

Arrasto por pulso, como a técnica é conhecida, usa eletricidade para forçar os peixes-chatos e os camarões para fora dos sedimentos onde eles se escondem. O choque elétrico os faz convulsionar e pular em direção à superfície, para dentro da rede. A pesca elétrica pode aumentar bastante a taxa de coleta dessas espécies.

A indústria e os governos britânico e holandês afirmam que ela é menos danosa que o arrasto tradicional com vara. Isso não é um parâmetro lá muito bom. Se eles quisessem fazer propaganda da gripe, com certeza estariam dizendo que ela é melhor que a peste bubônica.

O arrasto com vara é um sistema perfeitamente desenhado para a máxima destruição ambiental. Ele não arranca somente a vida na superfície do leito do mar, mas, através do uso de “correntes de revolvimento” (na verdade, equipamentos massivos de esfregação, cujo objetivo é extrair peixes-chatos enterrados), os sedimentos do fundo.

Então é certamente imaginável que o arrasto de pulso cause menos danos que o ecocídio de espectro completo feito pelo arrasto de vara. Mas infelizmente, no momento, não temos como saber.

Até agora, não foram feitos esforços de verdade para descobrir qual o impacto que repetidos choques elétricos podem ter em qualquer uma das comunidades animais do mar: aquelas que vivem na água aberta, no fundo do mar e abaixo dele. As pouquíssimas pesquisas realizadas até agora se concentram apenas em algumas espécies em tanques e, até onde eu sei, apenas um vago, mal desenhado e inconclusivo estudo feito no mar.

Mesmo assim, esses 97 barcos (85 holandeses, 12 “britânicos”) foram autorizados a operar em toda a região sudeste do Mar do Norte, em outras palavras: de Kent a Schleswig-Holstein, de Edimburgo a Jutlândia.

Revoltante, isto inclui a Área Especial de Conservação dessa região: Dogger Bank. Áreas Especiais de Conservação deveriam conferir o maior nível de proteção a qualquer ambiente natural europeu. Graças ao veto do governo holandês, qualquer área do Dogger Bank e de seus habitats impressionantes está aberta para a pesca de arrasto – e agora, pesca elétrica – e esta área é atacada diariamente.

Em 2014, os arrastos de pulso já estavam operando através de todo o sul do Mar do Norte, com mais intensidade até que as frotas tradicionais de arrasto de vara, com exceção dos mares dentro de 12 milhas das costas em torno da Grã-Bretanha, Alemanha e Dinamarca. Com o licenciamento dos 12 barcos “britânicos”, nossas águas costeiras também serão exploradas, incluindo as duas áreas especiais de conservação nas águas territoriais da Inglaterra no Mar do Norte: os bancos de areia de North Norfolk, e os corais e bancos de Haisborough, Hammond e Winterton, também na costa de Norfolk.

Objeções feitas por grupos como a Marine Conservation Society, que imploraram ao governo e à Comissão Europeia para que as áreas protegidas fossem de fato, protegidas, foram simplesmente ignoradas.

Que justificativa possível nos dá a Comissão Europeia para permitir esse uso em massa de uma tecnologia não testada? Ah sim. É um “teste” para “pesquisas científicas”. A Comissão me diz que o teste “deve durar 5 anos”.

O governo holandês explica que esse “programa de pesquisa” irá estudar “a seletividade do arrasto por pulso e os benefícios ambientais de se deixar o leito do mar intacto”. Notem que não se diz nada sobre os possíveis pontos negativos. Já se assume que a técnica é benéfica e não causa danos.

Considerando que a área experimental se estende para todo o sul do Mar do Norte, que tipo de experimento é este? Qual a hipótese? Qual a metodologia? Onde está o grupo controle? Como os resultados serão medidos? Como aparentemente não há respostas para estas perguntas, vou propor algumas.

Hipótese: Que se o arrasto de pulso for executado em toda a região antes que testes significativos sejam feitos, o momento político para seu uso contínuo – seja qual for o impacto – se tornará ininterrompível.

Metodologia: Equipar 97 navios de grandes companhias com dispositivos de 300 mil libras por barco para criar o que é, na verdade, uma decisão irreversível. Pesquem em qualquer lugar para criar um precedente e façam lobby e cooptação de quantos políticos for possível.

Resultados: Zilhões de euros no banco (preferencialmente numa conta no estrangeiro) para o Peixe Grande, enquanto os pequenos pescadores com quem ele compete são postos numa situação difícil. Efeitos no ecossistema… desculpa, o que é isso mesmo?

Conclusão: A Comissão Europeia e seus governos-membros são compostos por idiotas incompetentes e crédulos, incapazes de defender o mundo natural ou o interesse público.

Mas se a Comissão Europeia é incompetente, irresponsável e inútil (quem diria), pelo menos não está usando as mentiras completas com as quais o governo britânico tenta justificar a medida.

Quando perguntado sobre os critérios empregados no licenciamento dos navios “britânicos” para usar a pesca elétrica, o departamento de meio ambiente do Reino Unido, o Defra, me disse que a autorização incluía “permissão para o uso do arrasto elétrico apenas em certas áreas”. Acontece que “certas áreas” significa, isso mesmo, todo o sul do Mar do Norte, incluindo três áreas especiais de conservação.

O governo então afirmou que a permissão seria retirada se uma avaliação científica estabelecesse que danos estão sendo causados, mas considerando que não há meios críveis para avaliar esses danos, é impossível que isso aconteça.

O governo então me disse uma mentira descarada. “Estudos atuais indicam que estimulação por pulso não causa aumento de mortalidade em linguado, bacalhau, camarão marrom e minhoca do mar. Não foi encontrado ferimento vertebral em solha, bacalhau e linguado, por exemplo.”

Eles devem acreditar que jornalistas não leem artigos científicos. Talvez na maioria das vezes isso seja uma suposição segura e, por isso, é seguro mentir sobre o conteúdo desses estudos. Não neste caso.

Entre os poucos estudos sobre o impacto do arrasto por pulso conduzidos até agora há um que mostra que entre 50 e 70% dos grandes bacalhaus que passam perto de um eletrodo com campos de força realistas sofrem de coluna vertebral fraturada. A quebra de suas colunas através de choques elétricos também causa hemorragias internas.

Outro teste demonstrou que camarões expostos a choques elétricos têm um risco significativamente maior de infecções subsequentes por vírus. Outro estudo mostrou uma taxa de “sobrevivência menor estatisticamente significante” para minhocas do mar.

Quanto aos peixes-chatos como a solha e o linguado, não temos nenhuma ideia. Em 2012, um pescador de pequena escala de Kent disse ao Sunday Times que as áreas pelas quais os arrastos de pulso passaram são “um cemitério. O que eles não pegam, eles aniquilam. Está tudo virtualmente morto.” Outro relatou que “Você encontra até 50 solhas de Dover mortas em uma hora e meia. Raramente víamos um peixe morto antes. É uma perda de tempo ir para a área agora. Fede a peixe morto”.

E o resto do ecossistema? Quem sabe? Algumas pesquisas mostram que arrasto de pulso tem uma taxa menor de capturas acidentais (de espécies que não se pretende pescar) que o arrasto de vara. Isto pode ser verdade, e dificilmente seria o contrário, dado a extraordinária quantidade de prejuízos causados pelos métodos convencionais. Mas um estudo de pesca de camarões por arrasto elétrico revela “taxas consideravelmente mais altas de captura acidental para algumas espécies, se comparado ao arrasto tradicional de vara com rede de peneira”.

A pesca elétrica permite que barcos capturem peixes-chatos em leitos lamacentos, o que é difícil com o arrasto convencional, então é provável que ele consiga levar os prejuízos da pesca a algumas das poucas áreas que até então não eram devastadas. O arrasto elétrico para pescar o peixe-chato ainda usa um cabo grosso (o arraçal) que é arrastado no fundo do mar, então o dano físico ainda é muito alto, enquanto que o dano elétrico é desconhecido.

O arrasto de pulso permite aos pescadores de camarão operar em águas claras durante o dia, quando o camarão é inacessível para a pesca convencional, então isto pode aumentar enormemente a taxa de captura. Surpreendentemente, não há nenhum limite para a quantidade de camarões que podem ser retirados do Mar do Norte. Quando as mesmas tecnologias foram utilizadas no Mar da China Oriental, elas levaram ao colapso da pesca, resultando na proibição da pesca elétrica na China.

Quanto aos efeitos da exposição repetida aos choques elétricos nos animais marinhos, os impactos que podem acometer suas capacidades de reprodução, as implicações para a sobrevivência de espécies longevas, o dano a longo prazo que pode ser causado a espécies que detectam suas presas através de eletrorrecepção (como tubarões e arraias) e várias outras questões do tipo, simplesmente não há informação sobre. Estudos em água doce sugerem que choques elétricos podem ser muito prejudiciais a embriões e ovos de peixes, mas não sabemos se os mesmos efeitos ocorrem na água salgada.

Dado que não há controle nesse “experimento”, nenhuma área poupada dos navios de pesca, nenhuma metodologia e nenhum parâmetro óbvio de mensuração, a única maneira que temos para determinar se essa técnica é prejudicial ou não é através do colapso do ecossistema marinho em toda a área afetada pela pesca. De que outro jeito poderia ser determinado isso?

O que este problema ressalta é a ausência de proteções suficientes para a vida marinha.

Absurdamente, a pesca, como a agricultura, é completamente isenta da avaliação dos impactos ambientais que qualquer outra indústria tem que fazer. Um amigo que trabalha para a indústria de energia eólica nos mares me disse que um estudo de impacto para um grande campo marinho de captação de energia eólica tem cerca de 20 mil páginas, mesmo que esses campos não pareçam ter quase nenhum impacto na vida marinha exceto um efeito positivo de oferecer locais de ancoragem para a fauna e também alguma proteção contra o arrasto.

Para conduzir um arrasto experimental para descobrir o que vive no fundo do mar onde uma fazenda de energia eólica planeja ser criada, meu amigo tem que enviar pedidos exaustivos para uma licença especificando onde e quando e durante quanto tempo o arrasto será executado. Ele contrata um navio de arrasto e uma tripulação para fazer o trabalho. Quando eles terminam, dão adeus, jogam as redes de lado e continuam a pescar, sem necessidade nenhuma de autorização.

Em outras palavras, a pesca nas águas da União Europeia é uma pirataria quebra-quebra do tipo mais primitivo, desregulado, sem licenciamento e controlado apenas pelo método mais bruto possível: a venda de quotas.

Tudo de errado que acontece em terra é multiplicado por dez no mar, porque políticos reconhecem que o que os olhos não veem o coração não sente. Está na hora disso mudar.

Apoie a Marine Conservation Society, Greenpeace, Oceana, Save Our Seas, Blue Marine, Sea Shepherd ou algum dos outros grupos lutando desesperadamente para proteger a vida marinha e deixe claro que você se importa.

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Inicialmente publicado no The Guardian em 9 de fevereiro de 2015.

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