(PORTUGUESE) BARGHOUTI: “NÃO QUERO CRIAR ILUSÕES SOBRE OBAMA”

COMMENTARY ARCHIVES, 25 Jan 2009

Esquerda.net

Nesta entrevista ao jornal egípcio Al-Ahram, dada antes do início da trégua em Gaza, o secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestiniana, Mustafa Barghouti, duvida que Obama rompa com o lóbi judeu e observa que a administração Bush fez tudo para que o novo presidente se veja incapaz de operar mudanças na política americana em relação ao Médio Oriente. Barghouti defende um governo de unidade nacional e a realização de eleições em todos os territórios palestinianos ocupados

Como qualifica o ataque militar sem precedentes infligido por Israel contra a Faixa de Gaza?

O que se passa em Gaza pode ser um verdadeiro genocídio contra o nosso povo, um acto selvagem, bárbaro que vai contra todas as leis internacionais. Israel é uma força de ocupação de Gaza, que está a aniquilar a população com os ataques aéreos. Gaza, o território que tem a maior densidade populacional do mundo, é vítima dos ataques aéreos e terrestres israelitas enquanto estiver sob sua ocupação.

O número de mártires e de feridos é o mais elevado desde 1967. Perante a opinião pública internacional, Israel alega que pretende apenas atacar os elementos do Hamas. Declarou mesmo ter uma tecnologia que lhe permite realizar operações quase "cirúrgicas" sobre o terreno.

O Estado judaico diz, no entanto, que têm como único objectivo destruir o Hamas…

Todas as alegações de Israel não são mais do que mentiras. Na verdade, a guerra não é dirigida contra o Hamas, mas antes contra todo o povo Palestiniano. O real objectivo dos israelitas é quebrar a vontade palestiniana, rebaixá-la e obrigar os palestinianos a aceitar um regime injusto, impedindo, por exemplo, o direito de ter Jerusalém como capital, ou a recusa do direito de regresso dos refugiados. Os israelitas querem obrigar os palestinianos a aceitar o regulamento que eles tentaram impor na conferência de Annapolis (Novembro de 2007), mas que fracassou.

O que está a acontecer neste momento é muito perigoso, porque, atacando de forma tão feroz o nosso povo, Israel quer destruir a vontade e a resistência dos palestinianos e impor-nos as suas próprias regras pela força.

Na verdade, Israel não ataca apenas o Hamas. Tem como principal alvo a democracia palestiniana. É muito claro: os ataques israelitas destruíram a sede do Parlamento Palestiniano e o Estado judeu prendeu 45 dos nossos parlamentares. Os israelitas atacaram o Governo de Unidade Nacional, que representava 95% dos eleitores palestinianos e contribuíram fortemente para o colapso do mesmo. E quando isso ocorreu, começaram a propagandear a ideia de que os palestinianos eram responsáveis pelas suas divisões internas.

Tudo isto não passa de um jogo cujo objectivo é quebrar a vontade política palestiniana e o compromisso do nosso povo para com o seu legítimo direito de resistência. Outra mentira que Israel tenta fazer passar nos média dos Estados-Unidos e europeus, é a de que a trégua foi quebrada pelo Hamas, quando, na realidade, foi Israel que a quebrou, no passado mês de Novembro, um mês antes destes atentados.

A terceira mentira que Israel tenta propagar é a de que os israelitas são as "vítimas" e os palestinianos os "invasores". No entanto, verificamos que do lado deles, tiveram apenas uma única vítima, enquanto o lado palestiniano, perdemos mais de 500 mártires, até ao passado domingo.

Os observadores são unânimes em explicar os ataques israelitas contra o povo de Gaza com base nas eleições em Israel. Tzipi Livni e o partido Kadima não querem parecer fracos relativamente aos seus opositores da linha dura do Likud ou do Partido Trabalhista.

Quais são as diferenças entre os três candidatos nas próximas eleições israelitas? Poderia imaginar um cenário particular para cada candidato?

Não há nenhuma diferença entre eles. Tanto Livni como Netanyahu e Ehud Olmert, são todos originários do Likud. Quanto a Barak, não fica a dever nada aos outros em termos de ferocidade e racismo. O que é triste é que Israel tornou-se, na sua totalidade, uma nação racista no sentido próprio do termo. Criaram um sistema de apartheid e de barreiras racistas. Não querem que um único palestino possa erguer a cabeça. Pouco importa quem vai ganhar as eleições, se não há nenhuma diferença na sua atitude em relação aos palestinianos.

Adoptam e seguem todos a mesma visão política sionista que rejeita a existência de um Estado palestiniano independente, que Jerusalém seja a capital da Palestina e que o direito de regresso dos refugiados se realize. Livni disse que nenhum refugiado seria aceite por Israel. Então, que diferença existe entre ela e Netanyahu? Esta guerra é feita apenas para que cada um deles possa mostrar os seus músculos e o preço disso é o sangue dos palestinianos. E o pior de tudo é que, apesar de toda a ferocidade demonstrada pelo governo de Israel contra os palestinianos, o Likud nas sondagens está cada vez mais reforçado.

O que acha da estratégia do Hamas, na sua gestão da resistência armada? Será que houve um erro estratégico ou de cálculo da parte deste ao atirar rockets contra o sul de Israel?

Não houve, de todo, erros cometidos pelo Hamas. Até Novembro passado, o Hamas tinha parado de disparar rockets, e impediu mesmo qualquer tipo de ataque a partir de Gaza. Quem quebrou a trégua foi Israel. Os israelitas entraram, atacaram e abateram seis palestinianos. Foi quando os rockets começaram a ser lançados a partir de Gaza. Na realidade, o Hamas defendeu-se, atirando sobre Israel. E todos sabemos que os rockets não têm uma significativa capacidade de destruição. Mas tratou-se de uma forma simbólica de defesa contra os ataques das forças de ocupação. Não podemos culpar a vítima, quando os verdadeiros culpados são os israelitas.

Tudo isto foi cuidadosamente planeado. Nos últimos meses, podíamos ler nos jornais israelitas que Israel necessitava de alguns meses de acalmia, a fim de preparar o seu exército para um ataque maior. E isso é exactamente o que está a acontecer agora.

Existe hoje alguma possibilidade para restabelecer a reconciliação palestiniana?

O único caminho coerente a seguir, na minha opinião, é a reconstituição de uma administração política unificada na Palestina, e a formação de um governo de unidade nacional. De seguida, deveremos ter eleições nas quais participem representantes de todas as tendências palestinianas, sem excepção ou discriminação. Estas eleições deverão ser credíveis e transparentes, e ter lugar no conjunto dos territórios ocupados. E, finalmente, é absolutamente necessário que haja a garantia de aceitação incondicional dos resultados destas.

Acha que a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos irá mudar a posição de Washington face ao conflito israelo-palestiniano?

Obviamente, temos esperança de uma mudança na política externa americana, mas não quero criar ilusões. Esperamos que o Presidente Obama tenha, pelo menos, uma melhor compreensão da situação nesta região. Contrariamente a George W. Bush, o presidente Obama é suposto ser mais sensível às causas justas como é o caso da nossa. Mas a pergunta que nós colocamos é a seguinte: será que ele pode enfrentar o lóbi israelita nos Estados Unidos? Aguardamos para ver como ele irá agir.

Mas o que agora notamos é que a administração Bush fez tudo até ao último momento, para que quando chegar, o presidente Obama encontre uma situação insustentável e se veja incapaz de operar mudanças na política americana em relação a esta região.

A administração Bush, juntamente com Israel, está a construir três muros que Obama dificilmente poderá transpor e ter influências positivas sobre o conflito. O primeiro destes muros é o dos compromissos assumidos por Bush face a Israel, onde ele reduziu, através de uma resolução do Conselho de Segurança, o processo de paz de Annapolis. A segunda muralha, ou barreira para o futuro de Obama, é a luz verde dada pela administração Bush a este massacre dos palestinianos. E o terceiro ponto, que é o mais importante, é que através da tensão produzida por esta confrontação e este massacre, ela tenta destruir o plano anunciado por Obama de iniciar um diálogo com a Síria, o Irão e todas as forças da região.
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* Esta entrevista foi conduzida por Randa Achmawi e publicada no semanário Al-Ahram (Cairo). Mustafa Barghouti é Secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestiniana, uma formação que se coloca como alternativa em relação às facções existentes.
Tradução de Luísa Moreira


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