(Português) Eleições no Brasil: Tensão na reta final. E o day after?

ORIGINAL LANGUAGES, 17 Oct 2022

Jean Marc von der Weid | Leonardo Boff – TRANSCEND Media Service

15 outubro 2022 – Texto analítico de Jean Marc com os vários cenários possíveis face à eleição no dia 30 de outubro e nos tempos subsequentes. Vale estar atentos, pois se trata de nossa sobrevivência como nação civilizada e sem os ódios e mentiras que marcaram o governo atual. — L.Boff

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Jean Marc von der Weid, 13 de outubro de 2022

Não devemos nos deixar levar pela emoção das multidões de vermelho enchendo as ruas e praças. Lembra meu saudoso amigo Sérgio Ricardo: “a praça é do povo, como o céu é do condor…”, cantava ele e o povo vem correspondendo. Porém, não posso deixar de lembrar que, como em muitas eleições que acompanhei desde a de Jânio Quadros em 1960, comício e passeata não ganham eleição. O exemplo mais espetacular de que me lembro foi a derrota do Frente Amplio no Uruguai em 1968, depois de levar um milhão de pessoas a um comício em Montevideo na véspera do pleito. Com um eleitorado que se contava em uns 3 milhões todos os comentaristas, de direita e de esquerda, davam o jogo por jogado. Quando as urnas se abriram o FA obteve 1,3 milhão de votos. Quase todos os seus votos estavam na manifestação.

Manifestações são importantíssimas e Lula deve insistir em promovê-las, mas não podemos descuidar da conquista voto a voto, trabalho miúdo e diário, no corpo a corpo, na mensagem individualizada, com argumentos específicos para cada caso. Só assim o nariz de Lula vai chegar na frente da carantonha de Bolsonaro no Foto Chart final destas eleições. É isso ou a surpresa dos chamados “movimentos subterrâneos”, não detectados pelas pesquisas eleitorais. A decisão vai depender de detalhes, de passos em falso de uma ou de outra campanha.

Bolsonaro deu alguns passos em falso neste segundo turno.

O primeiro foi o insulto aos nordestinos logo depois dos resultados do segundo turno. Ao desqualificar os nordestinos, que ele já havia insultado mais de uma vez ao longo de sua vida política, antes e depois de ser eleito em 2018, Bolsonaro deu o combustível para um incêndio de protestos que se alastraram na região. Mais ainda, sabendo-se que há muitíssimos nordestinos no Sudeste, sem falar nos seus descendentes, o impacto do mau passo pode ser fatal.

O segundo erro foram os insultos à devoção dos católicos, primeiro no “Sírio” de Nazaré (deve ser um santo novo, talvez nascido em Damasco) e agora no dia da padroeira, Nossa Senhora Aparecida. As tentativas de exploração política da fé foram explícitas e, frente ao fracasso em Aparecida, gerou as agressões dos seus falsos romeiros, bêbados, à fiéis e à imprensa. Bolsonaro foi sobriamente, mas decididamente, rechaçado por padres e bispos e pela multidão que lá estava para pedir bençãos. E pela CNBB em nota nacional. Com isso ele deve voltar para o seu público evangélico cativo, que nunca se chocou com um pastor, hoje propagandista de primeira linha do presidente, chutando a imagem da santa em programa televisado anos atrás. Mas mesmo este eleitorado deve estar com a pulga atras da orelha ao ver Bolsonaro fingir devoção à imagem da santa, o que o protestantismo não reconhece. Como dizia o pastor que chutou a estátua da Virgem na TV, aquilo era apenas um pedaço de madeira. Expliquem isso para os romeiros.

Para este público, que promete a ele o dobro de votos do que os dados ao Lula, segundo as pesquisas, seus asseclas andaram dando perigosas pisadas na bola. A seção de horrores explícitos, dignos da imaginação do marquês de Sade, encenada por Damares e pela primeira-dama em uma igreja da Assembleia de Deus em Goiânia, virou um tiro no pé. As denúncias estão demonstradas como mentiras deslavadas pelas próprias declarações de Damares. Ela anunciou ter provas (vídeos) dos horrores sexuais perpetrados com crianças e que ela descreveu com requinte de detalhes escatológicos na presença de crianças. Confrontada com a ausência destas provas no material que o seu ex-ministério entregou, Damares titubeou e acabou balbuciando que tinha “ouvido estas coisas nas ruas”. E os vídeos que ela disse ter visto? Vai pegar processo, sem dúvida, e pode até perder o seu mandato, antes dele começar. Ou perderia se a justiça funcionasse no Brasil. Segundo averiguado pela Globo News, esta história faz parte de um cardápio de mentiras usadas pela extrema direita americana, o grupo QAnon, para atacar todos os seus adversários, e difundido pela direita organizada internacionalmente por Steve Bannon, ex-chefe de campanha de Trump em 2016.

A reação da pastora da igreja usada por Damares e Michelle para seu circo de horrores foi imediata e o vídeo em que ela denuncia a operação da campanha Bolsonaro viralizou. Com um discurso voltado para a fé cristã ela rejeitou o terrorismo “religioso” e a exploração política dos crentes. Quem sabe ela consiga furar a muralha de fanatismo produzida pelos pastores, hoje mais fiéis a Bolsonaro do que ao Cristo. A pressão destes personagens sobre seus rebanhos chegou a um nível próprio de países sob controle de um governo islâmico. Ameaças de exclusão das igrejas e das chamas do inferno estão gerando medo entre as ovelhas que vacilam em se deixar tosquiar por Bolsonaro. Obreiros e obreiras são mobilizados como cabos eleitorais agressivos que visitam os fiéis em suas casas levando a propaganda e fazendo ameaças, até físicas. Pregações inflamadas nos cultos esquecem os temas religiosos para centrar no discurso mentiroso contra Lula, o grande satã, o aborteiro, o amigo dos bandidos, o que vai fechar as igrejas, além de outras barbaridades. Vai ser difícil, com todo este enquadramento, o povo pentecostal se livrar do fanatismo e do medo. Mas acredito que o passo em falso de Damares e a reação da pastora goiana podem gerar um movimento silencioso de reação.

Bolsonaro está nas cordas e as pesquisas continuam dando Lula com 4 a 8 pontos de vantagem em votos válidos. Até a sua empresa de pesquisas de estimação, a Paraná, ainda aponta para vantagem de 3,8% (a menor entre todas as dezenas de pesquisas) para Lula. Mas as pesquisas erraram no primeiro turno, ou não captaram uma virada de última hora a favor de Bolsonaro. Será que a história vai se repetir neste turno? Há um dado das mesmas pesquisas que preocupa muito. A rejeição de Bolsonaro está caindo e a de Lula subindo e agora eles estão empatados no limite da margem de erro, 50 a 46%. Se esta tendencia continuar até o dia 30 eles chegam empatados no quesito rejeição na boca da urna.

Neste caso, tudo vai depender de fatores como a abstenção, o crescimento de Lula no Nordeste e, ponto muito importante, a declarada ofensiva final do bolsonarismo nas seções eleitorais. Bolsonaro está convocando seus fanáticos para comparecerem em massa e permanecerem nos locais até sair o resultado. Para que? A ordem para cercar as seções indica que vai haver intimidação dos eleitores de Lula. A ordem de permanência indica que Bolsonaro vai usar esta massa disponível para provocar tumultos no caso dos dados não o favorecerem. Podemos esperar um dia de votação extremamente tenso em todo o país.

Isto me leva de volta à análise da aplicação da estratégia que eu chamei de “bola ou búlica”, em artigo divulgado meses atrás. Bolsonaro não deixou um momento de excitar suas falanges fanáticas contra o TSE e o STF. Atacou as pesquisas porque não o mostravam em primeiro lugar. Usou as forças armadas, ou melhor, usou o Ministério da Defesa para tentar levantar dúvidas sobre a lisura e segurança das urnas eletrônicas.

Neste momento estamos com uma situação insólita. O TSE engoliu todas as exigências esdrúxulas do Ministro da Defesa e o exército fez uma série de testes paralelos aos já ordinariamente utilizados pelo próprio TSE e por entidades que acompanham o processo eleitoral. Todas as outras entidades envolvidas nos testes de segurança já confirmaram que tudo se passou corretamente, mas o Ministério da Defesa, a pedido de Bolsonaro, declara que só vai apresentar o seu diagnóstico depois do segundo turno. Em off, jornalistas de respeito ouviram generais da ativa e apontaram para um desconforto com a postura do MD, já que as investigações e testes dos militares não teriam encontrado absolutamente nada de imperfeito em todo o processo. Segurar a informação só tem sentido para manter o clima de questionamento da lisura das eleições, para o caso de derrota nas urnas. É um jogo perigosíssimo para Bolsonaro, pois ele terá que questionar os resultados sem poder usar o relatório do MD, a não ser que fabriquem um falso. E isto depois de ter aceitado o resultado do primeiro turno. Será que Bolsonaro confia em sua capacidade de gerar um tal estado de confusão no país que a questão do relatório vai ser um senão, uma interrogação para a história futura?

As ordens de combate da tropa bolsominion vão no sentido de buscar um enfrentamento imediato, no dia e hora da proclamação dos resultados pelo TSE. Mas se os seus eleitores mais fanáticos cumprirem à risca as ordens o que pode acontecer? Ocupar as seções eleitorais não muda o resultado. Pode dar lugar a um movimento de revolta ludista (não é lulista, não, refere-se ao movimento dos artesãos nos inícios da revolução industrial, quebrando as máquinas que substituíam seu trabalho) com a destruição de urnas eletrônicas. Este movimento pode até levar a quebra-quebras nas seções ou no seu entorno. Muito barulho, mas pouco efeito do ponto de vista de ameaças golpistas. Não são estes bandos de vândalos que ameaçarão as instituições.

A pergunta essencial é: o que vão fazer os militares? Para começar, o que vão fazer os generais do Alto Comando do exército? Dias antes do primeiro turno uma matéria da Folha de São Paulo revelou que a maioria dos 16 generais do Alto Comando endossavam o princípio de “quem ganhar, leva”. A matéria foi desmentida pelo MD, enfaticamente, qualificando-a de Fake News. Os generais, como era de se esperar, fingiram-se de mortos. Mas os autores da matéria e o próprio jornal mantiveram suas posições e asseguraram a veracidade do que foi publicado.

Este episódio serviu para desarmar todos os que achávamos que um golpe era algo a se esperar no quadro eleitoral brasileiro. A realização das eleições em primeiro turno e a aceitação dos resultados por Bolsonaro pareceu afastar, definitivamente, o fantasma da ameaça de golpe. Na verdade, a “aceitação” dos resultados não faz parte da estratégia de Bolsonaro. Como ele esperava ganhar no primeiro turno, ele encolheu os ataques e foi pego de surpresa pelos resultados. Adiou o enfrentamento para o segundo turno.

Estes fatos colocam problemas sérios para o após segundo turno. Bolsonaro está arruinando o país para comprar votos. Está chamando os seus fanáticos para constranger eleitores. Está prometendo ataques aos locais de votação para questionar os resultados. Mas ele depende da avaliação do MD para a operação visando a anulação do pleito. A pergunta é: que vai fazer o Alto Comando do exército? Esconder a dita avaliação? Endossar o questionamento dos resultados? Ou, como afirma o artigo da Folha, vai aceitá-lo?

Se a última pergunta for respondida positivamente, Bolsonaro não terá outra opção senão apelar para uma rebelião dos oficiais de nível médio contra os comandos maiores. Este apelo é pouco provável, pelos imensos riscos deste salto no escuro. Ele significa propor uma insurreição que pode levar à sua imediata prisão se os comandos de tropa se mantiverem na obediência devida à hierarquia militar. E se a rebelião tiver apoio, Bolsonaro vai gerar uma crise militar única na nossa história, com risco de uma guerra civil. O desfecho mais provável de uma posição republicana do Alto Comando é Bolsonaro aceitar a derrota e botar a viola no saco e ir comer pão com leite moça no seu condomínio na Barra da Tijuca. E rezar para que a enxurrada de processos pendentes contra ele não chegue a sua conclusão final, que o levaria a ir jogar gamão com Sérgio Cabral em um presidio do Rio de Janeiro.

Estamos diante de duas situações de alto risco. A primeira terá que ser enfrentada por cada um de nós, aceitando bravamente os perigos de ir votar enfrentando a máfia bolsonarista ameaçando-nos fisicamente. A segunda é a decisão do Alto Comando do exército, endossando os atentados bolsonaristas ou tirando o tapete do protoditador.

No interminável rol de riscos de última hora poderemos ver a repetição da jogada político-jurídica operada em Alagoas. A Polícia Federal, com o apoio do STJ, interveio na disputa eleitoral daquele pequeno estado para favorecer Bolsonaro e seus apoiadores locais, Artur Lira como emblema. Como parece estar dando certo, podemos esperar outras operações de mesmo tipo em outros estados, e a reação do STF, como sempre, será depois que os efeitos políticos da ação tenham dado seus resultados.

Tudo indica que estamos por decidir o futuro do país por uma margem muito estreita de votos. Isto é inacreditável para qualquer um que tenha dez mil réis de inteligência, mas este é mundo em que vivemos. O mal está mandando e o bem na defensiva. Lula é, gostemos dele ou não, o último baluarte contra a barbárie nas relações sociais e políticas. O nosso esforço, enquanto brasileiros conscientes, é tentar afastar as trevas que se avolumam e ganhar tempo para redefinirmos que país queremos para nós e nossos filhos e netos. Tempo para reencontrar um espaço de diálogo entre os divergentes. Tempo para encontrar racionalidade na busca de soluções para os nossos imensos problemas sociais, muito agravados pelos quatro anos de promoção da divisão, do ódio, da doença, da miséria e do horror.

As manifestações de rua aquecem os nossos corações, mas esta eleição vai ser decidida no voto dos amigos e parentes iludidos com o monte de mentiras disseminados pela máquina de propaganda de Bolsonaro. O esforço pela vitória da civilização contra a barbárie depende de cada um de nós, na busca de tentar entender as motivações de amigos e parentes que votam no fim do futuro, que se atiram voluntariamente no buraco da destruição.

Vamos sair da bolha e buscar os outros. Escolhamos o caminho da amizade, do amor, da compreensão. Aceitemos as diferenças para tentarmos superá-las. O tempo é curto e a emergência é fatal.

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Jean Marc von der Weid: Ex-presidente da UNE (1969/1971); Fundador da ONF Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA) em 1983; Membro do CONDRAF/MDA entre 2004 e 20016; Militante do movimento Geração 68 Sempre na Luta.

Leonardo Boff is a Brazilian theologian, ecologist, writer and university professor exponent of the Liberation Theology. He is a former friar, member of the Franciscan Order, respected for his advocacy of social causes and environmental issues. Boff is a founding member of the Earthcharter Commission.

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