(Português) Glenn Greenwald: Minha Renúncia do The Intercept

ORIGINAL LANGUAGES, 2 Nov 2020

Glenn Greenwald – TRANSCEND Media Service

Glenn Greenwald (AFP Photo/Lia de Paula)

 

As mesmas tendências de repressão, censura e homogeneidade ideológica que assolam a imprensa norte americana de modo geral tomaram conta do meio de comunicação que eu co-fundei, culminando na censura.

 

 

29 out 2020 – Hoje enviei minha intenção de demitir-me do The Intercept, o veículo de notícias que co-fundei em 2013 com Jeremy Scahill e Laura Poitras, bem como de sua empresa-mãe, First Look Media.

O motivo final e súbito é que os editores do The Intercept, em violação do meu direito contratual de liberdade editorial, censuraram um artigo que escrevi esta semana, recusando-se a publicá-lo a menos que eu removesse todas as seções críticas ao candidato democrata à presidência Joe Biden, o candidato apoiado veementemente por todos os editores do The Intercept de Nova York envolvidos neste esforço de supressão.

O artigo censurado, com base em e-mails revelados recentemente e depoimentos de testemunhas, levantou questões críticas sobre a conduta de Biden. Não contentes em simplesmente impedir a publicação deste artigo no meio de comunicação que eu co-fundei, esses editores do The Intercept também exigiram que eu me abstivesse de exercer um outro direito contratual publicar este artigo em qualquer outro veículo.

Eu não tinha objeções à suas discordâncias com minhas opiniões sobre o que mostram as evidências sobre Biden: como uma última tentativa de evitar a censura, eu os propus que expusessem suas discordâncias, escrevendo um artigo próprio crítico àsminhas perspectivas, deixando os leitores decidirem quem está certo, como faria qualquer veículo confiante e saudável. Mas os meios de comunicação modernos não expressam discordância; eles as anulam.

Assim, o caminho escolhido por esses editores foi o da censura, e não do engajamento. O artigo censurado será publicado nesta página em breve [nota: pode ser lido aqui, em inlês]. Minha carta de demissão, que enviei esta manhã ao presidente da First Look Media, Michael Bloom, pode ser lida abaixo. Mas como eu disse ontem:

A partir de agora, publicarei meu jornalismo aqui na Substack, onde vários outros jornalistas, incluindo meu bom amigo, o grande e corajoso repórter Matt Taibbi, vieram para praticar o jornalismo livre do clima cada vez mais repressivo que está envolvendo os veículos de mídia convencional em todo os EUA.

Não foi uma escolha fácil: estou sacrificando voluntariamente o apoio de uma grande instituição e um salário garantido em troca de nada mais do que a crença de que existem pessoas suficientes que acreditam nas virtudes do jornalismo independente e na necessidade de um discurso livre, que estarão dispostas a apoiar meu trabalho assinando meu substack.

Como qualquer pessoa com filhos pequenos, família e inúmeras obrigações, faço isso com certo receio, mas também com a convicção de que não há outra escolha. Eu não conseguiria dormir à noite sabendo que permitia a qualquer instituição censurar o que eu quero dizer e acreditar – muito menos um meio de comunicação que eu co-fundei com o objetivo explícito de garantir que isso nunca aconteça a outros jornalistas, muito menos a mim, muito menos porque escrevi um artigo crítico de um poderoso político democrata veementemente apoiado pelos editores na eleição nacional iminente.

Mas as patologias, a falta de liberdade e a mentalidade repressiva que me levaram ao bizarro espetáculo de ser censurado por meu próprio meio de comunicação não são de forma alguma exclusivos do The Intercept. Esses são os vírus que contaminaram praticamente todas as principais organizações políticas de centro-esquerda, instituições acadêmicas e redações. Comecei a escrever sobre política há quinze anos com o objetivo de combater propaganda midiática e repressão, e – independentemente dos riscos envolvidos – simplesmente não posso aceitar nenhuma situação, por mais segura ou lucrativa que seja, que me obrigue a submeter meu jornalismo e direito de liberdade expressão às suas restrições sufocantes e ditames dogmáticos.

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Desde que comecei a escrever sobre política em 2005, a liberdade jornalística e a independência editorial têm sido sacrossantas para mim. Quinze anos atrás, criei um blog na plataforma gratuita Blogspot, quando ainda trabalhava como advogado: não com qualquer esperança ou planos de começar uma nova carreira como jornalista, mas apenas como um cidadão preocupado com o que via com a Guerra ao Terror e liberdades civis. Eu queria expressar o que acreditava que precisava ser ouvido. Foi um trabalho de amor, baseado em um éthos de causa e convicção, dependente da garantia de total liberdade editorial.

O blog prosperou porque os leitores que atraí sabiam que, mesmo quando eles discordavam de pontos de vista específicos que eu estava expressando, eu era uma voz livre e independente, não ligada a nenhuma facção, controlada por ninguém, me esforçando para ser o mais honesto possível sobre o que estava vendo e sempre consciente da vantagem de ver as coisas de forma diferente. O título que escolhi para esse blog, “Unclaimed Territory” (Território Não Reivindicado), refletia esse espírito de libertação do cativeiro de quaisquer dogmas políticos ou intelectuais fixos ou restrições institucionais.

Quando o Salon me ofereceu um emprego como colunista em 2007, e novamente quando o Guardian fez o mesmo em 2012, aceitei suas ofertas com a condição de que teria o direito, exceto em situações estreitamente definidas (como artigos que poderiam causar problemas legais par ao veículo) de publicar meus artigos e colunas diretamente na internet sem censura, interferência editorial prévia ou qualquer outra intervenção ou aprovação necessária. Os dois veículos atualizaram seus sistemas de publicação para acomodar essa condição e, ao longo dos muitos anos em que trabalhei com eles, esses compromissos sempre foram honrados.

Quando deixei o Guardian, no auge da reportagem de Snowden, em 2013, para criar um novo meio de comunicação, não o fiz, nem é preciso dizer, para me impor mais restrições e restrições à minha independência jornalística. O exato oposto era verdade: a inovação central pretendida com o The Intercept, acima de tudo, era criar um novo meio de comunicação onde todos os jornalistas talentosos e responsáveis desfrutassem do mesmo direito de liberdade editorial que eu sempre exigi para mim. Como eu disse ao ex-editor executivo do New York Times, Bill Keller, em uma conversa que tivemos no New York Times, em 2013, sobre minhas críticas ao jornalismo convencional e a ideia por trás do The Intercept: “os editores devem estar lá para empoderar e proporcionar um jornalismo forte, altamente factual, agressivo e contraditório. Não para servir de barreira para neutralizar ou suprimir o jornalismo. ”

Quando nós três, como co-fundadores, decidimos desde o início que não tentaríamos gerenciar as operações do dia-a-dia deste novo veículo, para que pudéssemos nos concentrar em nosso jornalismo, negociamos o direito de aprovação para editores seniores e, especialmente, editor-chefe. A responsabilidade central do titular desse cargo consistia em implementar, em estreita consulta conosco, a visão jornalística única e os valores jornalísticos sobre os quais fundamos este novo veículo de comunicação.

O principal desses valores era a liberdade editorial, a proteção do direito dosjornalistas de falar com uma voz honesta e a difusão, em vez da supressão, de dissidências das ortodoxias tradicionais e até mesmo das divergências entre colegas. Isso seria alcançado, acima de tudo, garantindo que os jornalistas, uma vez que cumprissem o primeiro dever de exatidão factual e ética jornalística, fossem não apenas permitidos, mas encorajados a expressar opiniões políticas e ideológicas que desviassem da ortodoxia dominante e de seus próprios editores. Assim, poderiam expressar, em suas próprias vozes apaixonadas e convictas geralmente sufocadas pelo tom corporativizado da objetividade artificial, onipotente acima de tudo. Ser completamente livre das crenças dogmáticas ou agenda ideológica de qualquer outra pessoa – incluindo aquelas dos três co-fundadores.

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A iteração atual de The Intercept é completamente irreconhecível se comparada à visão original. Em vez de oferecer um local para vozes discordantes, marginalizadas e perspectivas desconhecidas, está rapidamente se tornando apenas mais um meio de comunicação com lealdades ideológicas e partidárias obrigatórias, uma gama rígida e estreita de pontos de vista permitidos (variando do liberalismo do establishment à esquerda softo, mas sempre ancorado no apoio ao Partido Democrata), um medo profundo de ofender o liberalismo cultural hegemônico e os influenciadores de centro-esquerda do Twitter e uma grande necessidade de garantir a aprovação e admiração dos principais meios de comunicação, os quais o The Intercept foi criado para opor, criticar e subverter.

Como resultado, é um evento raro, de fato, quando uma voz autônoma radical indesejável em espaços convencionais é publicada no The Intercept. Repórteres ou escritores de fora sem nenhuma pretensão de aceitabilidade convencional – exatamente as pessoas que pretendíamos ampliar – quase não têm chance de serem publicados. É ainda mais raro para o The Intercept publicar conteúdo que não estaria fora do lugar em pelo menos uma dúzia ou mais de publicações de centro-esquerda de tamanho semelhante anteriores à sua fundação, como Mother Jones,Vox e até mesmo MSNBC.

É preciso coragem para sair da linha, para questionar e cutucar aquelas devoções mais sagradas em seu próprio meio, mas o medo de alienar os guardiões da ortodoxia liberal, especialmente no Twitter, é o atributo predominante da liderança editorial do The Intercept, sediada em Nova York. Como resultado, o The Intercept praticamente abandonou sua missão central de desafiar e cutucar, ao invés de apaziguar e confortar, as instituições e guardiões mais poderosos em seus círculos culturais e políticos.

Para piorar tudo isso, The Intercept – ao mesmo tempo que excluía gradualmente os cofundadores de qualquer papel em sua missão ou direção editorial, e fazia uma escolha após a outra contas ass quais levantei objeções veementese como traição à nossa missão central – continuou a usar publicamente meu nome a fim de arrecadar fundos para o jornalismo que sabiam que eu não apoiava. Isso disseminou a percepção de que eu era a pessoa responsável por erros jornalística, garantindo quea culpa por esses erros recaísse sobre mim e não sobre os editores responsáveis, que vinham consolidando cada vez mais controle.

O exemplo mais notório, mas não o único, de explorar meu nome para fugir da responsabilidade foi o desastre Reality Winner. Como o The New York Times relatou recentemente, essa foi uma história na qual eu não tive qualquer envolvimento. Enquanto estava no Brasil, nunca me solicitaram trabalhar nos documentos que Winner enviou para nossa redação em Nova York, em tampouco solicitar que nenhum jornalista específico fosse designado. Eu nem mesmo soube da existência desse documento até pouco antes de sua publicação. A pessoa que supervisionou, editou e controlou aquela história foi Betsy Reed, como deveria ser, dada a magnitude e complexidade daquela reportagem e sua posição como editora-chefe.

Foram os editores do Intercept que pressionaram os repórteres da história a enviar rapidamente esses documentos para autenticação com o governo – porque eles estavam ansiosos para provar aos principais meios de comunicação e aos liberais proeminentes que o The Intercept também estava disposto a embarcar no bonde do Russiagate. Eles queriam contra-atacar a percepção, criada por meus artigos expressando ceticismo sobre as alegações centrais daquele escândalo, de que o The Intercept havia saído da linha em uma história de grande importância para o liberalismo dos EUA e até mesmo para a esquerda. Esse desejo – para garantir a aprovação dos principais meios de comunicação que nos propusemos a neutralizar – foi a causa raiz da velocidade e imprudência com que o documento de Winner foi tratado.

Mas o The Intercept até hoje se recusa a fornecer qualquer explicação pública sobre o que aconteceu na história da Reality Winner: explicar quem foram os editores que cometeram erros e por que isso aconteceu. Como o artigo do New York Times deixa claro, essa recusa persiste até hoje, apesar das demandas vocais minhas, de Jeremy Scahill e Laura Poitras e outros de que o The Intercept, como uma instituição que exige transparência de outros, cumprisse a obrigação de provê-la para si mesmo.

A razão para esse silêncio e esse encobrimento é óbvia: prestar contas ao público sobre o que aconteceu com a história do Reality Winner revelaria quem são os verdadeiros editores responsáveis por aquela falha profundamente embaraçosa da redação, e isso acabaria com a possibilidade de continuarem a se esconder atrás de mim e deixar que o público acreditasse que eu era a pessoa responsável por um processo do qual fui completamente excluído desde o início. Este é apenas um exemplo que ilustra o dilema frustrante de ter uma redação explorando meu nome, trabalho e credibilidade quando é conveniente fazê-lo, enquanto cada vez mais me nega qualquer oportunidade de influenciar na sua missão jornalística e direção editorial, tudo isso enquanto persegue uma missão editorial completamente contrária ao que acredito.

**

Apesar de tudo isso, eu não queria deixar o The Intercept. À medida que se deteriorava e abandonava sua missão original, pensei comigo mesmo – talvez racionalizado – que, desde que The Intercept pelo menos continuasse a me fornecer os recursos para fazer pessoalmente o jornalismo em que acredito, sem interferir ou impedir minha liberdade editorial, eu poderia engolir o resto.

Mas a censura bruta desta semana ao meu artigo – sobre os materiais de Hunter Biden e a conduta de Joe Biden em relação à Ucrânia e China, bem como minha crítica à tentativa de acobertamento da mídia, em uma união profundamente profana com o Vale do Silício e a “Intelligence Community” (“comunidade de inteligência”), de esconder suas revelações – corroeu a última justificativa a que poderia me motivar a ficar. Isso significava que não apenas este veículo de comunicação não fornece a liberdade editorial para outros jornalistas, como eu esperava tão esperançosamente sete anos atrás, mas agora nem mesmo a oferece à mim. Nos dias que se aproximam de uma eleição presidencial, sou de alguma forma impedido de expressar quaisquer opiniões que editores aleatórios em Nova York considerem desagradáveis, e agora, de alguma forma, tendo que ajustar minha redação e reportagem para atender aos seus desejos partidários e ânsia de eleger candidatos específicos.

Dizer que tal censura é uma linha vermelha para mim, uma situação que eu nunca aceitaria, não importa o custo, é um eufemismo. É surpreendente para mim, mas também um reflexo de nosso discurso atual e do ambiente de mídia iliberal, que fui silenciado sobre Joe Biden por meu próprio veículo de comunicação.

Vários outros episódios também contribuíram para a minha decisão de sair: o encobrimento no caso Reality Winner; a decisão de punir Lee Fang injustamente e até mesmo forçá-lo a se desculpar quando um colega tentou destruir sua reputação publicamente, sem base e repetidamente o rotulando de racista; sua recusa em reportar sobre os procedimentos diários da audiência de extradição de Assange porque o contribuidor freelancer, mesmo fazendo um excelente trabalho, era politicamente desagradável; sua total falta de padrões editoriais quando se trata de pontos de vista ou reportagens que bajulem as crenças de sua base liberal (The Intercept publicou algumas das afirmações mais crédulas e falsas da loucura maximalista de Russiagate e, de forma horripilante, assumiu a liderança na falsa classificação do arquivo Hunter Biden como “desinformação russa” por citar acriticamente – dentre todas as coisas – uma carta de ex-funcionários da CIA que continha esta insinuação sem fundamento).

Sei que parece banal dizer, mas – mesmo com todas essas frustrações e fracassos – estou saindo e escrevendo isto com genuína tristeza, não fúria. Esse veículo de comunicação é algo em que eu e vários amigos próximos e colegas investimos uma enorme quantidade de nosso tempo, energia, paixão e amor na construção.

O Intercept fez um ótimo trabalho. Seus líderes editoriais e gerentes do First Look apoiaram firmemente as reportagens difíceis e perigosasMas que fiz no ano passado com meus corajosos jovens colegas do The Intercept Brasil para expor a corrupção nos mais altos escalões do governo Bolsonaro, e nos apoiaram enquanto suportávamos ameaças de morte e prisão.

Continua a empregar alguns de meus amigos mais próximos, jornalistas notáveis cujo trabalho – quando supera a resistência editorial – produz nada além da maior admiração de minha parte: Jeremy Scahill, Lee Fang, Murtaza Hussain, Naomi Klein, Ryan Grim e outros. E não tenha nenhum desgosto pessoal por ninguém ali, nem desejo de prejudicá-lo como instituição. Betsy Reed é uma editora excepcionalmente inteligente e um ser humano muito bom com quem desenvolvi uma amizade íntima e valiosa. E Pierre Omidyar, o financiador e editor original do First Look, sempre honrou seu compromisso pessoal de nunca interferir em nosso processo editorial, mesmo quando eu estava publicando artigos diretamente em desacordo com suas opiniões fortemente defendidas, e mesmo quando atacava outras instituições que ele financia . Eu não estou saindo por vingança ou conflito pessoal, mas por convicção e causa.

E nenhuma das críticas que fiz sobre The Intercept é exclusiva a ele. Ao contrário: essas são as batalhas violentas pela liberdade de expressão e pelo direito de dissidência acontecendo em todas as grandes instituições culturais, políticas e jornalísticas. Essa é a crise que o jornalismo, e mais amplamente os valores do liberalismo, enfrenta. Nosso discurso está se tornando cada vez mais intolerante com pontos de vista divergentes, e nossa cultura está exigindo cada vez mais submissão às ortodoxias prevalecentes impostas pelos monopolistas auto-ungidos da Verdade e Retidão, apoiados por exércitos de apoiadores online.

E nada é mais prejudicado por essa tendência do que o jornalismo, que, acima de tudo, requer a habilidade dos jornalistas de ofender e irritar centros de poder, questionar ou rejeitar devoções sagradas, desenterrar fatos que refletem negativamente até mesmo sobre (especialmente sobre) as figuras mais amadas e poderosas, e destacam a corrupção, não importa onde ela seja encontrada e independentemente de quem é beneficiado ou prejudicado por sua exposição.

**

Antes da experiência excepcional de ser censurado esta semana pelo meu próprio veículo de notícias, eu já estava explorando a possibilidade de criar um novo meio de comunicação. Passei alguns meses em discussões ativas com alguns dos jornalistas, escritores e comentaristas mais interessantes, independentes e vibrantes de todo o espectro político sobre a viabilidade de obter financiamento para um novo veículo que seria projetado para combater essas tendências. Os primeiros dois parágrafos do nosso documento de trabalho são os seguintes:

A mídia americana está envolvida em uma guerra cultural polarizada que está forçando o jornalismo a se conformar com narrativas tribais e de pensamento de grupo que muitas vezes estão divorciadas da verdade e atendem a perspectivas que não refletem o público em geral, mas uma minoria de elites hiperpartidárias. A necessidade de se conformar a narrativas culturais artificiais altamente restritivas e identidades partidárias criou um ambiente repressivo e iliberal no qual vastas faixas de notícias e reportagens não acontecem ou são apresentadas através das lentes mais distorcidas e distantes da realidade.

Com quase todas as principais instituições de mídia contaminadas em algum grau por essa dinâmica, existe uma profunda necessidade de mídia que seja livre e sem amarras para transgredir os limites desta guerra cultural polarizada e atender a uma demanda de um público que está faminto por mídia que não jogue para um lado, mas em vez disso persiga linhas de reportagem, pensamento e investigação onde quer que estes levem, sem medo de violar devoções culturais ou ortodoxias de elite.

Definitivamente, não perdi a esperança de que este ambicioso projeto possa ser realizado. E eupoderia, em tese, ter ficado no The Intercept até que essa visão se concretizasse, garantindo uma renda estável e segura para minha família e engolindo os ditames de meus novos censores.

Mas ficaria profundamente envergonhado se fizesse isso e acredito que estaria traindo meus próprios princípios e convicções – os quais incentivo os outros a seguir. Nesse meio tempo, decidi seguir os passos de vários outros escritores e jornalistas que foram expulsos de ambientes jornalísticos cada vez mais repressivos por várias formas de heresia e dissidência e buscaram refúgio aqui.

Espero explorar a liberdade que esta nova plataforma oferece, não apenas para continuar a publicar o jornalismo investigativo independente e contundente, a análise sincera e a redação de opiniões que meus leitores esperam, mas também para desenvolver um podcast e continuar o programa do YouTube, “System Update”, que lancei no início deste ano em parceria com o The Intercept.

Para que isso seja viável, precisarei do seu apoio: aqueles que puderem se inscrever e assinar o newsletter associado nesta plataforma vão permitir que meu trabalho prospere e ainda seja ouvido, talvez até mais do que antes. Comecei minha carreira no jornalismo dependendo da disposição dos meus leitores em apoiar o jornalismo independente que eles acreditam ser necessário para sustentar. É um pouco assustador neste ponto da minha vida, mas também muito emocionante, retornar a esse modelo em que se responde apenas ao público que um jornalista deveria servir.


CARTA DE INTENÇÃO DE RENÚNCIA

——– Mensagem enviada ——–

Assunto: RESIGNAÇÃO

Data: Qui, 29 de outubro de 2020 10:20:54 -0300De: Glenn Greenwald <xxxxxxxx@theintercept.com> Para: Michael Bloom <xxxxxxxxx@firstlook.media>, Betsy Reed <xxxxxxx@theintercept.com>

Michael –

Estou escrevendo para avisá-lo de que decidi resignar meu cargo no First Look Media (FLM) e no The Intercept.

A causa motivadora (mas não a única) é que o The Intercept está tentando censurar meus artigos, violando meu contrato e os princípios fundamentais de liberdade editorial. O exemplo mais recente e talvez mais flagrante é uma coluna de opinião que escrevi esta semana que, cinco dias antes da eleição presidencial, critica Joe Biden, o candidato que passa a ser fortemente apoiado por todos os editores do Intercept em Nova York que estão impondo a censura e a recusa em publicar o artigo, a menos que eu concorde em remover todas as seções críticas ao candidato que desejam que ganhe. Tudo isso viola o direito em meu contrato com a FLM de publicar artigos sem interferência editorial, exceto em circunstâncias muito restritas que claramente não se aplicam aqui.

Pior, os editores do The Intercept em Nova York, não contentes em censurar a publicação do meu artigo no Intercept, também estão exigindo que eu não exerça meu direito contratual separado com a FLM em relação aos artigos que escrevi, mas que a FLM não deseja publicar. De acordo com meu contrato, tenho o direito de publicar quaisquer artigos que o FLM rejeite em outra publicação. Mas os editores do Intercept em Nova York estão exigindo que eu não apenas aceite sua censura do meu artigo no The Intercept, mas também me abstenham de publicá-lo em qualquer outro meio de comunicação jornalístico, e estão usando ameaças mal disfarçadas de advogados para me coagir a não fazê-lo (proclamar que seria “prejudicial” para The Intercept se eu o publicasse em outro lugar).

Há algum tempo, estou extremamente desencantado e triste com a direção editorial do The Intercept sob sua liderança em Nova York. A publicação que fundamos sem esses editores em 2014, agora, não tem nenhuma semelhança com o que nos propusemos a construir – não em conteúdo, estrutura, missão editorial ou propósito. Fiquei com vergonha de ter meu nome usado como uma ferramenta de arrecadação de fundos para apoiar o que está fazendo e para os editores me usarem como um escudo para se esconderem para evitar assumir a responsabilidade por seus erros (incluindo, mas não apenas, com a o desastre do caso Reality Winner, pelo qual fui publicamente culpado, apesar de não ter nenhum papel nele, enquanto os editores que realmente foram responsáveis por esses erros permaneceram em silêncio, permitindo que eu fosse culpado por seus erros e, em seguida, encobrindo qualquer contabilidade pública do que aconteceu, sabendo que tal transparência exporia sua própria culpabilidade).

Mas todo esse tempo, à medida que as coisas pioravam, concluí que, enquanto The Intercept permanecesse um lugar onde meu próprio direito de independência jornalística não estivesse sendo violado, eu poderia viver com todas as suas outras falhas. Mas agora, nem mesmo esse direito mínimo, mas fundamental, está sendo honrado por meu próprio jornalismo, suprimido por uma equipe editorial cada vez mais autoritária, movida pelo medo e repressiva em Nova York, empenhada em impor suas próprias preferências ideológicas e partidárias a todos os escritores, garantindo que nada é publicado no The Intercept que contradiz suas próprias visões ideológicas e partidárias estreitas e homogêneas: exatamente o que The Intercept, mais do que qualquer outro objetivo, foi criado para prevenir.

Pedi ao meu advogado que entrasse em contato com a FLM para discutir a melhor forma de rescindir meu contrato. Obrigado.

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Glenn Greenwald é um dos três editores co-fundadores do The Intercept. Ele é jornalista, advogado constitucional e autor de quatro livros best-sellers do New York Times sobre política e direito. Seu livro mais recente, No Place to Hide, é sobre o estado de vigilância dos EUA e suas experiências relatando os documentos de Snowden ao redor do mundo. Antes de cofundar o The Intercept, a coluna de Glenn foi destaque no Guardian and Salon. Ele foi o primeiro vencedor, junto com Amy Goodman, do Park Center I.F. Stone Award for Independent Journalism em 2008, e também recebeu o Prêmio de Jornalismo Online 2010 por seu trabalho investigativo sobre as condições abusivas de detenção de Chelsea Manning. Por suas reportagens da NSA de 2013, ele recebeu o Prêmio George Polk por Relatórios de Segurança Nacional; o Prêmio Gannett Foundation para o jornalismo investigativo e o Prêmio Gannett Foundation Watchdog Journalism; o Prêmio Esso de Excelência em Jornalismo Investigativo no Brasil (foi o primeiro não brasileiro a ganhar) e o Prêmio Pioneiro da Electronic Frontier Foundation. Junto com Laura Poitras, a revista Foreign Policy o nomeou um dos 100 maiores pensadores globais de 2013. A reportagem da NSA que ele liderou para o Guardian recebeu o Prêmio Pulitzer de 2014 por serviço público.

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